segunda-feira, 24 de junho de 2013
Caravela a bom porto
Quem é português e reside em Macau conhece quase de certeza o Restaurante Caravela, situado no Pátio Comandante Mata e Oliveira, no centro da cidade e a dois passos da Escola Portuguesa. A nova vaga de portugueses que vão chegando ao território vão “dar à costa” ao Caravela, onde é possível encontrar uma grande parte do núcleo duro da nossa comunidade. Existem outros pontos de encontro das lusitanas gentes aqui e ali, alguns que não lhe ficam a dever nada em termos de popularidade, mas o Caravela é um nome incontornável em termos de tertúlia. É como a Brasileira do Chiado, a Cervejaria da Trindade e a Pastelaria Suíça condensados num só, e formatados à dimensão de Macau.
O Caravela, se a memória não me atraiçoa, foi inaugurada em 1995 por um empresário português, que ao mesmo tempo investiu num restaurante na Calçada do Gamboa, A Nau do Trato. A Nau não durou muito, mas a Caravela resistiu a ventos e tempestades, chegou a correr o risco de encerrar por mais que uma ocasião, e entre algumas mudanças de gerência foi ficando no mesmo local que ocupa vai para vinte anos. Actualmente é propriedade de um casal de causídicos a residir no território há vários anos, que se misturam diariamente com a clientela habitual, que lhes retribui a amizade e a simpatia demonstrada. A Sílvia e o Alberto cumprem com abnegação a tradição do simpático “casal do café da esquina” tão popular em Portugal, não evidenciando o distanciamento que a sua formação académica superior poderia implicar à partida. São uns tipos porreiros. E educados, também. Gente boa.
Sou um cliente habitual do espaço, muito por culpa da proximidade com o meu local de trabalho. Chego mesmo a passar por lá apenas para beber um café a meio do dia, mesmo já me tendo desabituado a essa tradição tão portuguesa da “bica” a horas incertas “porque sim”. O Caravela goza de uma localização estratégica, entre a Praia Grande, uma área de serviços e escritórios onde muita da comunidade portuguesa trabalha, e a Escola Portuguesa, como já referi. Com a vinda de um novo contingente de expatriados de Portugal, passou a ser mais frequentado, mesmo além dos horários nobres do pequeno-almoço e do almoço. Já foi mais fácil encontrar uma mesa durante as “horas mortas”, e torna-se quase impossível fazê-lo depois das 13 horas, pelo que se recomenda que se faça reserva (para o efeito basta ligar o 28712080, sempre atendido com simpatia). E o que podemos encontrar na Caravela que atraí cada vez mais clientela, e cada vez mais a horas improváveis?
Não sou um grande adepto da pastelaria, que considero apenas “razoável”, e em alguns casos os preços tornam-se quase probitivos – se existe algo que se possa apontar ao Caravela é mesmo o preçário. Um cidadão chinês médio consideraria escandaloso pagar 25 patacas por um simples pão com chouriço, atendendo a que muitas vezes almoça por esse preço – ou ainda por menos – numa loja de sopa de fitas. Os meus colegas chineses, por exemplo, cuja maioria já levei ao Caravela, consideram deixar uma nota de cem por um almoço “uma ocasião especial”. Apesar deste aspecto que podia ser repensado, o modelo de gestão seria considerado “desastroso” pelos parâmetros de alguns comerciantes locais, que considerariam o negócio “inviável” em termos de lucro. Mas julgando pela casa sempre cheia os proprietários não terão muita razão de queixa, e se por acaso o capital investido é acima da media, o retorno compensa. Fica-se a ganhar em termos de qualidade e de confiança da clientela, conceitos peregrinos para muita da concorrência.
O café, a nossa “bica” é acima da media, considerando que estamos em Macau, e vale as 12 patacas que pedem por ela. Já bebi “bicas” mais caras e com uma qualidade que faria qualquer comensal mandá-las para trás em qualquer tasca mais reles em Portugal. O almoço é servido normalmente entre as 12:30 e as 14:30, e durante os dias de semana existe um “set-lunch” que inclui sopa, prato principal e pão por 75 patacas e cuja qualidade raramente deixa a desejar (a quantidade é que nem sempre satisfaz, mas não se passa fome). O resto do menu está disponível ao fim-de-semana, e mesmo ao Sábado é comum servir-se um “especial” ao almoço. O Caravela está aberto todos os dias do ano, Natal e Ano Novo Lunar incluídos, mas na boa tradição cristã encerra aos Domingos à tarde.
É possível fazer um pedido “à la carte” a qualquer hora do dia, e não faltam os bitoques, os pregos, as sandes mistas e até a Francesinha (que recomendo), além da mais diversa pastelaria. Desde manhã cedo até às 21 horas, quando encerra, pode-se petiscar à vontade. O serviço está a cargo de um grupo heterogéneo, composto na maioria por empregadas Filipinas (temos actualmente um português, um macaense e uma brasileira), que rapidamente se adaptaram à “mística” da Caravela. Um detalhe enternecedor passa pelos uniformes, que incluem frequentemente uma camisola da selecção portuguesa. Esta informalidade, a juntar à decoração e outros detalhes, com destaque para a sempre muito concorrida esplanada, que nos fazem sentir como se estivessemos num café do nosso saudoso Portugal produzem um ambiente descontraído e agradável, e por isso convidativo. É o segredo do Caravela.
Entre a “fauna” que lá podemos encontrar é evidente a presença de uma maioria de portugueses de origem. Encontramos caras conhecidas, algumas personalidades da nossa comunidade, gente simpática e outra que nem por isso, e muitas caras novas. Alguns turistas aparecem por curiosidade, e certamente que ficarão encantados com o ambiente acentuadamente ocidental que muitos não esparariam encontrar numa cidade da China. A comunidade chinesa aparece apenas pontualmente, talvez inibida pela frequência nitidamente “portuguesa” do espaço, que os leva a pensar que aquele lugar “não é para eles”. Apesar de todos serem bem recebidos, independente da etnia, esta timidez tem uma razão de ser: o Caravela será um dos poucos locais da RAEM onde a língua chinesa não é a mais utilizada. Quem domine apenas o Mandarim ou o dialecto cantonense terá mais dificuldade em apreciar o que o Caravela tem para oferecer. Mas depois de tantos anos de funcionamento, que já lhe conferem um certo estatuto de referência no panorama da restauração em Macau, o Caravela consegue sobreviver apenas com a “malta” portuguesa. E isto é bom sinal. Que continue assim por muitos e bons anos.
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