terça-feira, 21 de maio de 2013

Droga: tirem a mão do pudim


Uma cena do filme "Christiane F."

Agora que tanto se fala do “vício da droga”, essa demoníaca praga que aflige os jovens de pele tenra e dentes brancos, que rapidamente se transformam em semi-cadáveres decadentes à mínima picada da maléfica agulha, gostava de dizer uma ou duas palavras a este respeito. A droga, coitadinha, anda ali muito sossegadinha sem que ninguém a chateie. Mas só que, “domage”, surje um ou outro tipo descontente com as maravilhas que uma vida saudável e espectacular lhe proporciona, e opta pelos estupefacientes para lhe dar um novo sentido (à vida entenda-se). E que porra, que não faltam mensageiros da morte dispostos a lhe oferecer substâncias ilícitas em busca de um lucro fácil, que escalando pela pirâmide chungosa do tráfico, chegam a “barões” que vão enriquecendo à custa dos viciados e dos pequenos traficantes, os que normalmente acabam por bater os queixos na prisão, longe das “haciendas” na Colômbia ou dos meandros da política onde habitam aqueles que facturam com a desgraça alheia. Até aqui nada de novo. “Life’s a bitch”, como diz o outro.

Mas isto da droga e do vício tem que se lhe diga, É um engodo, e só cai quem quer. Em locais de trânsito do grande tráfico internacional, como é o exemplo de Macau, contam-se algumas vítimas. Foi sempre assim, desde os tempos da Guerra do ópio ao aparecimento da heroína em finais dos anos 60, culminando na comercialização das drogas sintéticas como o ecstasy, a katamina ou o ice em bares e discotecas do território. Muito do actual tráfico benificia da anuência das autoridades e dos agentes que afirmam combatê-lo, em nome do equilíbrio entre a cidade sã e funcional e a cidade decadente e viciosa. A Macau que vive do jogo e dos lucros dos casinos precisa de um tempero, de um balanço que satisfaça os seus agentes semi-marginais e os respectivos “afilhados”. Alguém acredita que as autoridades locais não têm a capacidade para debelar por completo o tráfico de droga em Macau, actuando nos locais onde se pratica? A eficácia no combate à droga só não se aproxima dos 100% por falta de vontade. Existem vespeiros onde é melhor não mexer nem com a vara mais comprida. É o tal equilíbrio que fala mais alto.

Em Macau o combate à droga é abordado numa perspectiva punitiva, que se sobrepõe à preventiva. É compreensível que a população em geral aceite melhor a primeira abordagem, mesmo que esta não produza resultados práticos: o aumento do tráfico e do consumo persistirão, e quem se mete em sarilhos leva com a moca. É uma espécie de roleta russa; quem vê os seus cair na teia do consumo sofre em silêncio, os restantes vão dormir descansados sabendo que as autoridades prendem os malandros dos drogados que nada têm a ver consigo ou com os mais que tudo. Até um dia. É fácil aos agentes do combate ao flagelo a droga falar em agravamento de penas e tudo mais. O meretíssimo procurador Ho Chio Meng defende uma moldura penal maior para esses crimes. O dr. Ho Chio Meng nunca terá fumado uma ganza, cheirado um pó qualquer ou espetado uma agulha na veia. Mas também porque havia de o fazer? O dr. Ho Chio Meng está muito bem na vida, e o pouco tempo livre que lhe resta da sua exigente tarefa de justiceiro é ocupado com actividades mais curriqueiras, como o golfe, por exemplo. Os outros que sigam o seu exemplo, mesmo que isso seja virtualmente impossível.

Recentemente revi três filmes que abordam a queda no mundo da droga: “Trainspotting”, que conta a história de um grupo de amigos escoceses que passam pelas agruras da marginalidade inerente à toxicodependência; “Sid & Nancy”, um biópico dedicado ao baixista dos Sex Pistols, Sid Vicious, que morreu de overdose aos 21 anos; e finalmente “Chrisitane F.”, um filme alemão que muito genuinamente e através de um baixo orçamento retrata na perfeição a espiral que leva os jovens ao mundo da dependência e da escravidão da droga. Estes filmes têm em comum a mais perigosa das drogas: a heroína. Em Macau os soldados do combate à droga falham em esclarecer o público do essencial. Nem todas as drogas são iguais, e quem fuma um charro de vez em quando não é um viciado que chuta cavalo na veia várias vezes por dia. É mais que urgente, é fundamental, que se faça uma distinção definitiva entre as drogas leves e pesadas – as diferenças são por demais evidentes, e a teoria de que o consumo de umas leva às outras está revestido de falácia.

Voltando ao filme “Christiane F.”, subtitulado em português por “Os filhos da droga”, do original alemão “Wir kinder vom Banhoff Zoo” (“nós crianças da estação do Zoo”, referência à estação de metro de Berlim onde se juntavam viciados, prostitutas e prostitutos e os prevertidos que os procuravam). Este é um filme cruel, chocante, mas ao mesmo tempo educativo. Baseado em acontecimentos verídicos que em 1977 deram origem a um livro, avisa para os perigos da heroína e das drogas em geral. Em vez de se descartar esta vertente educacional, muitas vezes com a desculpa de que se trata da “glorificação das drogas”, devia-se usar este tipo de media no sentido de educar. Não basta insistir na lei do chicote, no “não mexas que te queimas”. A prisão não encaminha ninguém no caminho do bem, antes pelo contrário. É preciso que se eduquem as futuras gerações, mesmo que os paizinhos não se sintam à vontade para o efeito. Mais educação, menos castigos, faz favor.

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