segunda-feira, 29 de abril de 2013
Sopa
De quando em vez faço uma rica sopa que me serve de sustento pelo menos durante duas ou três refeições. Compro uma couve, um nabo, uma cebola, uma batata, dois tomates maduros e uma ou duas cenoura, corto tudo em pedaços, cozo, rego com azeite e junto uma pitada de sal. Parecendo que não, uma tigela cheia desta macedónia de vegetais chega para comfortar o estômago, e se for consumida ao jantar chega muito bem para ir dormir sem ter a barriga a dar as horas. Uma prática que se recomenda na ordem de pelo menos uma vez por semana para todos os amantes dos prazeres da vida: carne, vinho, cerveja e sexo casual com mulheres desconhecidas. É um pouco como o cão que come relva e assim faz a tão necessária purga. Com as devidas distâncias. Salvo seja, apetece dizer.
Existiu desde sempre um trauma com a sopa entre os mais novos. A sopa e os legumes em geral são um hábito que se adquire com a idade. Lembro-me de quando era pequeno odiar Caldo Verde, e causava-me impressão observar a forma quase religiosa com que os adultos sorviam aquela mistela que mais parecia uma maré repleta de algas. Continuo a não gostar de Caldo Verde por aí além, mas pelo menos agora compreendo o ritual. Sorver tigeladas de vegetais cozidos ralados ou cortados em pedaços a nadar em água a ferver é um dos preceitos daquilo que se convencionou chamar uma “alimentação equilibrada”. É assim que se obtêm as vitaminas. Deve ser isso.
Nem todas as sopas são aborrecidas como o Caldo Verde ou as restantes compostas inteiramente de vegetais. Os russos têm o delicioso Borsch, confecionada com bife, uma injecção de proteínas. Da Tailândia vem o Tom Yum-Gong, que devidamente guarnecido até parece uma caldeirada de marisco, e ainda com aquele “twist” tão exótico. E nem é preciso ir tão longe; nós próprios temos a sopa de rabo de boi, a sopa de peixe (quanto menos espinhas melhor), e a Sopa da Pedra, especialidade ribatejana composta por feijão, carne de porco, chouriço, entremeada, orelha e batata, que chega muito bem para uma refeição de enfarta-brutos. A designação de “Sopa” não lhe faz exactamente justiça. É como chamar ao Cozido à Portuguesa uma “entrada”.
Mas quando falamos de sopa, não podemos deixar de fora a Canja de Galinha. Isto da canja tem muito que se lhe diga. Analisando bem a sua composição, trata-se de uma mistura mórbida de gordura, miudezas, e por vezes a própria carne do galináceo. É uma sopa rebelde, e as versões variam de lar para lar. Na casa da minha saudosa avó paterna, era confecionada com arroz, e às muelas e fígados da ave juntavam-se também as patas. Outros lares substituem o arroz por massas: cotovelinhos, pevide, aletria e até letras, o que não só alimenta como entretém. Quando cheguei a Macau e descobri a versão local da canja, aquela com arroz moído, fiquei meio desconsolado. A canja de cá foi idealizada para gente desdentada. Faz-se muito melhor em qualquer hospital em Portugal.
Existem vegetais que entram em muitas sopas que seriam de outra forma intragáveis. Um bom exemplo disso é o feijão verde. Ninguém me consegue convencer a comer aquelas vagens esverdeadas a não ser cortadas em pedacinhos horizontais misturados num caldo. Mesmo a cenoura e o próprio nabo têm um aspecto mais convidativo na forma de rodelas e enfiados numa sopa. E quem já ouviu falar de “nabiça” sem a “sopa de” que lhe antecede? E os tais grelos, que têm uma conotação sexual, são completamente intragáveis fora do contexto de uma sopa…de grelos. Há quem goste de os comer com o bacalhau, mas para mim parece-me excessivo. Ou bacalhau, ou grelo.
As qualidades da sopa em geral são indesmentíveis. Quem não dispensa um prato de sopa pelo menos durante uma refeição do dia candidate-se a viver mais, e com mais saúde. A cara feia que os mais pequenos fazem perante o prato de sopa é eventualmente substituída pela satisfação de meter a colher à boca e cumprir a tal “purga” – a sopa não só alimenta como ajuda a desentupir o organismo de alguns excessos que infelizmente não conseguimos evitar. É mesmo assim, amigos. A Mafalda, personagem criada pelo cartoonista argentino Quino, e que detestava sopa, estava enganada. A sopa não só faz bem como também alimenta. É só preciso usar a imaginação.
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