sexta-feira, 12 de abril de 2013
As dores de crescimento
Como é hábito à sexta-feira, aqui fica o artigo da edição de ontem do Hoje Macau. Bom fim-de-semana!
Alguns dos recentes casos passados nos meandros da máquina administrativa do território deixam a entender que a RAEM atravessa actualmente uma espécie de crise da adolescência. Quase treze anos e meio depois da seu nascimento, a região que surgiu como um exemplo acabado da compatibilidade de um segundo sistema no seio da grande China socialista sofre com os desequilíbrios hormonais. Começa a aparecer-lhe algum acne, o corpo sofre mudanças que o assustam, muda de forma, e tudo isto sem que lhe tenham ensinado muito bem como reagir. Faltou educação sexual a este adolescente, se me permitem a analogia e o atrevimento.
A população deste território que depende das receitas do jogo e ainda o mês passado bateu mais um recorde de receitas neste particular, preocupa-se com o futuro do fedelho. Teme que não esteja a ser orientada no caminho do bem, que lhe faltem valências que a recomendem quando for um jovem adulto daqui a poucos anos. Os pais, tios, padrinhos e restantes familiares que contribuíram para a educação deste jovem temem que se esteja a descurar a sua educação, e que lhe venha a faltar rectidão, honestidade e fibra. Já não se exige e muito que se reja pelos valores da moral. Esses já não constavam do currículo inicial.
Não é bom sinal que num território tão pequeno aconteçam tantos equívocos, interpretações dúbias das regras, cidadãos de primeira e de segunda, alguns para quem “a lei é dura mas é a lei”, enquanto outros são “inocentes até prova em contrário”. Zonas cinzentas e lacunas legais são aproveitadas por poucos, à luz de decisões feitas muitas vezes sem fundamentação legal que a suporte, dando origem a situações bizarras, sem que se saiba muito bem o que pensa quem tem o dever de garantir a legalidade, a justiça e a harmonia social. Chegamos ao ponto em que muitas injustiças ficam por denunciar ou questionar, com receio que o sistema as branqueie, e que o feitiço se vire contra o feiticeiro. Vamos tolerando os abusos de todo o tipo, as incompatibilidades gritantes e todo o resto, preocupados apenas com a nossa vida, com receio de acabar picados pelas vespas deste ninho que não nos atrevemos a tocar.
Quem se lembra do nascimento desta RAEM, da sua génese e das promessas de um futuro brilhante vai sorrindo com a imagem deste rapaz com 13 anos, esbelto e corpulento, mas o sorriso é amarelo, e as dúvidas são muitas quanto ao seu futuro. Um dia vai tirar um curso superior, e teme-se pela qualidade do sua formação. Depois vai querer um emprego, e as opções não vão além dos casinos. Quando quiser sair da casa dos pais, vai ter dificuldade em comprar habitação própria, e na perspectiva de poder adquirir apenas um mísero T1, dificilmente pensará em formar família. Muitos dos pais da RAEM nunca serão avós. Se ficar doente, não tem acesso a um sistema de saúde gratuito e com qualidade, como lhe chegou a ser prometido. Se por esse motivo se quiser manter saudável, vão-lhe faltar os espaços verdes e de lazer. O concreto é tudo o que lhe resta de concreto.
É triste para todos e embaraçoso para os arquitectos deste grande projecto que é o Macau do segundo sistema que se oiça cada vez dizer que “antes estávamos melhor”. Quando se especula com tudo e mais alguma coisa, desde a habitação às couves no mercado, visando apenas o lucro fácil e imediato, qualquer coisa correu mal. Alguém se esqueceu de preservar a matriz do território, onde a vida era tranquila e barata, fazia-se o dia com pouco dinheiro e havia lugar para todos. Se o investimento e o crescimento da economia são factores importantes e sem os quais seria irrealista concretizar o projecto do crescimento e da saúde financeira do território, era importante também preservar o modo de vida simples dos seus residentes da classe média. O erro foi deixá-los na mão de especuladores, empresários sem escrúpulos e outros parasitas, tantos deles forasteiros, que se vão aproveitando da ingenuidade deste jovem tenrinho e imberbe, comprometendo-lhe o futuro próximo.
É preocupante quando os imigrantes começam a deixar de procurar o território para trabalhar, porque deixou de valer a pena. Se não vale a pena para eles, que podem sempre optar por outro destino que lhes ofereça a oportunidade de tornar melhor as suas vidas e a dos seus, o que dizer de nós, que aqui nascemos, crescemos e ajudámos a contribuir para o desenvolvimento desta terra a que chamamos casa? Todos queremos partilhar da prosperidade, e não nos passa pela cabeça questionar este sistema liberal que permite que todos tenham uma oportunidade de enriquecer. Mas estaremos a deixar o futuro do nosso menino em boas mãos? Meditar, reflectir e repensar é urgente. E que lugar melhor para isso que aqui, no Oriente?
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