quinta-feira, 4 de abril de 2013
Acordo ortográfico - lembram-se?
Ainda alguém se lembra do Acordo Ortográfico? Ainda se discorda do acordo de 1990 que entrou em vigor há três anos e foi recebido pela esmagadora maioria dos portugueses com duas pedras em cada mão? Quando a reforma ortográfica entrou em vigor, o que não faltaram foram vozes contra, apelos ao incumprimento, trocadilhos e chalaças (desacordo tortográfico, etc.), jornalistas, bloggers e demais inteligenzia que faz questão de deixar claro que nunca escreveria segundo o acordo. Apesar das vozes dissonantes, o acordo veio para ficar e a nova grafia vai sendo imposta às novas gerações. Os manuais escolares e outro material didático é redigido segundo o acordo, e por muito que nos custe, é uma questão de tempo até que as alterações se enraízem na lingua portuguesa. É apenas uma questão de tempo.
Em Portugal é assim, pois, mas o que dizer dos restantes países da lusofonia? Os brasileiros, já se sabe, estão-se nas tintas, e alteram a grafia do seu português quando muito bem lhes apetece – fizeram-no em 1971 e não deram cavaco a Portugal nem a mais ninguém. Não consta que tenha havido um debate sério ou muita controvérsia em Angola, Moçambique ou Cabo Verde, e ali o acordo terá passado ao lado, ou metido na gaveta “até ver”. Ignoro por completo o que se passa nos PALOP neste particular, mas quero acreditar que escrevem português como sempre escreveram. Unificar a grafia de uma lingua comum a locais tão díspares como a América do Sul ou África faz tanto sentido como unificar a gastronomia ou o clima. Povos diferentes sofrem influências diversas, e no caso de países independentes com uma cultura e uma identidade próprias, não faz sentido centralizar a lingua no sentido de a unificar.
Além disso os regionalismos e outros preciosismos não afectam a estrutura da lingua, e conferem-lhe até um certo toque especial.
Os defensores do acordo, que lhe atribuem um carácter de urgência, do tipo “é ïnevitável-portanto-quanto-mais –depressa-melhor”, argumentam com a “evolução” da lingua, que é apenas “natural”. Ora há evoluções para melhor e outras para pior, que neste caso são conhecidas por “retrocessos”. O acordo anterior a este, de 1945, trouxe alterações à grafia que se saudaram. Foi então que “pharmácia” se passou a escrever com “f”, “sciência” passou a “ciência” e por aí fora. A lingua perdeu alguma das características arcaicas que foram resistindo. Curiosamente foi então que se acrescentaram as consoantes mudas em “tecto”, “facto” ou “acto’, que queremos agora deixar cair, e foi instituída a hifenização, que agora se vai abolir. Não sei qual foi a reacção ao acordo de então, mas certamente que o Estado Novo, que não era muito dado a brincadeira, conseguiu impô-lo sem problemas de maior.
Em Macau a Escola Portuguesa leciona com manuais originários de Portugal, e portanto elaborados segundo o novo acordo. A imprensa em português mantém a grafia anterior, uma vez que não terá chegado do GCS nenhuma directiva noutro sentido. Os artigos de opinião ficam ao critério do seu autor, e por aqui ninguém se parece importar muito com as alterações impostas pela fúria unificadora do acordo ortográfico. Nem aqui nem no Brasil, que como já referi estão-se nas tintas; os brasileiros continuam a escrever “polonês” em vez de “polaco”, “canadense” em vez de “canadiano”, e notei que continuam a fazer uso do trema, que o novo acordo elimina. É possível encontrar escrito algo como “agüentar” em publicações recentes de autores brasileiros.
Eu não adoptei o acordo, não tanto por convicção, mas mais por preguiça, e uma dose de bom senso. Vou continuar a escrever como sempre fiz, e não mudo porque não me apetece. Não vou adoptar o “fato” em deterimento do “facto”, o “setor”em vez de “sector”, ou a “ação” sem aquele “c” depois do “a” que lhe confere toda a elegância. Este caso chega a ser um atentado à própria estética; até parece que “ação” é obra de um analfabeto que não sabe escrever “assam”, do verbo “assar”. Faz lembrar um “açafrão” mutilado, sem as três letras do meio. Uma “nação” falida à qual caíu o “n” do letreiro. E por falar em “nação falida”, será que não tinha nada melhor que fazer lá em Portugal do que se dar a este trabalho todo?
O Leocardo dá uma no cravo e outra na ferradura, sem saber do que fala. Então é contra o acordo e escreve "leciona"? E não sabe que "facto" se manterá "facto" porque o "c" se pronuncia?
ResponderEliminarVá lá ler o acordo para ser definitivamente contra essa aberração.
Excelente resposta do Ricardo Horta
ResponderEliminarOlá,
ResponderEliminarDeixo-lhe algumas correções ao seu post.
“Os brasileiros, já se sabe, estão-se nas tintas, e alteram a grafia do seu português quando muito bem lhes apetece – fizeram-no em 1971 e não deram cavaco a Portugal nem a mais ninguém.”
Correção: os brasileiros alteraram a sua ortografia em 1931, aderindo à Reforma ortográfica unilateral portuguesa de 1911 e no âmbito do AO luso-brasileiro de 1931. Alteraram novamente a ortografia em 1943, no âmbito do AO43 luso-brasileiro que não foi implementado em Portugal. E alteraram de novo em 1971 para aproximar, mais uma vez, as duas ortografia, a que correspondeu a RO de 1973 em Portugal, com o mesmo objetivo.
“Unificar a grafia de uma lingua comum a locais tão díspares como a América do Sul ou África faz tanto sentido como unificar a gastronomia ou o clima. Povos diferente”
Todas as línguas internacionais têm uma ortografia comum, exceto o inglês, que tem duas. O caso do espanhol talvez seja o mais notável porque, apesar das diferenças de léxico, sintaxe e fonética muito maiores que o PTPT e o PTBR estão todos empenhados em manter a unidade da lingua precisamente pela ortografia.
“O acordo anterior a este, de 1945, trouxe alterações à grafia que se saudaram. Foi então que “pharmácia” se passou a escrever com “f”, “sciência” passou a “ciência” e por aí fora”…”Curiosamente foi então que se acrescentaram as consoantes mudas em “tecto”, “facto” ou “acto’
Não foi assim. A pharmacia passou a farmácia pela reforma unilateral portuguesa de 1911. A sciencia passou a ciência pelo acordo ortográfico luso-brasileiro de 1931. Facto, tecto e acto nunca foram alterados porque era assim que se grafavam antes de 1911
[Mantém inalterada a ortografia] no Brasil, que como já referi estão-se nas tintas; os brasileiros continuam a escrever “polonês” em vez de “polaco”, “canadense” em vez de “canadiano”, e notei que continuam a fazer uso do trema, que o novo acordo elimina. É possível encontrar escrito algo como “agüentar” em publicações recentes de autores brasileiros.
Correções: O AO abrange apenas a ortografia, não altera a pronuncia, nem o léxico. Portanto, Polonês/pocado e canadense/canadiano não são um exemplo de não aplicação do AO, assim como boeiro/sarjeta ou cruzeta/cabide (estes usados unicamente em Portugal) também nunca tiveram de ser unificados para que possamos ter uma ortografia única em Portugal desde sempre.
Quanto ao resto, o AO está em pleno uso no Brasil (Estado, media, escolas), onde, em boa verdade, já ninguém usava o trema, e agora continua a usar, mas sem dar erro de ortografia.