terça-feira, 2 de abril de 2013

Roubar para comer


A crise em Portugal agudiza-se, e os portugueses já começam a roubar para poder comer. Segundo a PSP, os furtos mais frequentes nos supermercados continuam a ser artigos de higiene pessoal (perfumes e cosméticos incluídos) , logo seguido de géneros alimentares, à frente de artigos de electrónica e bebidas alcoólicas. Até há pouco mais de um ano os alimentos ocupavam o quarto lugar no “ranking” do “shoplifting”, e os adeptos da modalidade preferiam carteiras ou peças de vestuário. A crescente austeridade que leva o povo a apertar o cinto faz agora com que se deixe a estética para segundo plano, e se dê prioridade ao estômago. Aliás, quem é que se lembra de roubar camisolas ou batons com a barriga a dar as horas?

E o que levam estes nossos compatriotas para casa através do “crédito a cinco dedos”? Um pouco de tudo, desde carne congelada, enlatados, pão, leite e até postas de bacalhau embaladas! O que antes podia ser entendido como um odor corporal provocado pelo desleixo, pode ser afinal um projecto de bacalhoada roubada. Há mesmo quem leve peixe fresco sem pagar, indiferente ao incómodo que o facto de levar escamas, barbatanas e tudo mais em contacto com o corpo. A fome é inimiga da razão, e a necessidade é mãe da invenção.

Mas fora de brincadeiras, a situação é mesmo grave. É humilhante quando se chega ao ponto de roubar alimentos para matar a fome. Quem rouba com a intenção de comer o produto do furto não o faz por vaidade ou rebeldia, nem pela adrenalina. Com que cara alguém diz à polícia que roubou porque tinha fome? Que cenário tão “Dickenesco”, alguém que é obrigado a despejar os bolsos que encheu de batatas, ovos ou pacotes de fiambre e queijo. A maioria dos cidadãos apanhados no “shoplifting” têm normalmente bom aspecto, não são famélicos nem vagabundos que chamam imediatamente a atenção quando entram numa loja. Não chegam a levantar qualquer suspeita. Mas perante o actual estado de coisas, todos são suspeitos, tenham ou não gravata, colar de pérolas ou anéis de diamante. Andam todos com o olho no fiambre e no queijo.

Tenho uma pequena confissão a fazer: eu próprio praticava “shoplifting” quando era adolescente. Agora que penso nisso, até acho que foi parvoíce, uma atitude que apenas se pode explicar pela imaturidade própria da idade. Fazia a colheita normalmente no Centro Comercial das Amoreiras, ao Domingo, e metia ao bolso coisas curriqueiras, de preferência objectos pequenos, como água-de-colónia, chocolates, cassetes audio, e uma vez cheguei a levar um CD – a coisa mais cara que alguma vez “fanei”. Eram sobretudo coisas que a minha parca mesada não permitiam comprar com a frequência desejada, e mesmo que tivesse algum dinheiro a mais, fazia-o se tivesse a oportunidade. A ocasião faz o ladrão, afinal. Tive sorte em nunca ter sido apanhado; como era um pouco betinho se calhar tinha cara de parvo e ninguém suspeitava que eu me atrevesse. Se fosse isso seria uma vergonha que carregaria para toda a vida. Talvez por isso mesmo cometia estes delitos longe da minha área de residência.

Mas não são bens de luxo ou artigos superfluos que estes portugueses metem ao bolso agora. É comida. É penoso imaginar as histórias de vida por trás desta atitude desesperada. A mãe que rouba leite para levar para os filhos, o bom pai de família que renuncia à dignidade e enfia no casaco uma peça de carne para alimentar as bocas que dele dependem. É mais que apenas criminalidade rasteira: é um problema social que tem tendência para se agravar. É uma evidência em que se deve reflectir. E o que dizer daqueles cujos princípios impedem de roubar comida no supermercado, mesmo que a necessidade o justifique. Esses ficam fora das estatísticas, e vão para a cama com fome.

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