domingo, 10 de março de 2013

Fittipaldis de fim-de-semana


Estava na sexta-feira a ver o jogo do Porto contra o Estoril, e saí de casa ao intervalo para comprar uma bucha qualquer e algumas bebidas no Circle K aqui perto de casa, junto à Ponte 16. Fiquei surpreendido com o que vi nos dez minutos que me ausentei do sofá e percorri aquela pequena distância até à loja de conveniência. Como de noite todos os gatos são pardos, os “velocistas”do território aproveitam as altas horas da madrugada para testar a capacidade dos seus bólides. A (quase) ausência de trânsito e a dormência da polícia convidam os Vettels e os Alonsos de Macau a transformar as ruas numa espécie de Circuito da Guia fora de época – mesmo ali, em plena Av. Almirante Sérgio, na Barra.

Os pouco mais de 20 km2 de área que limitam Macau não permitem que se excedam os 80 km/h em circunstâncias normais, e talvez apenas na ponte os mais ousados “puxem” até mais de 100 à hora. Não existirá no território uma recta com mais de mil metros que não seja interrompida por um semáforo ou por uma passagem para peões, pelo que só mesmo no circuito fechado da Guia no mês de Novembro seja permitida – encorajada até – a alta velocidade. Ter automóvel em Macau resume-se à condição de “veículo utilitário”, e ser proprietário de uma grande “bomba” só pode mesmo ser visto como uma forma de ostentação. De que vale ter um carro que atinga os 250 km/h se dá para chegar da Praia Grande às Portas do Cerco em menos de cinco minutos sem trânsito? O problema é que há sempre trânsito, e muito. Pelo menos durante o dia.

Nunca fui um grande adepto da velocidade, especialmente se me encontrar na posição de passageiro. Cada vez que se entramos num automóvel estamos a arriscar a vida, se bem que pensar nisso cada vez que acontece seja entendido por algum tipo de fobia ou desequilíbrio mental. Como sou adepto da condução defensiva e segura, resta-me esperar que todos os santinhos me protejam e que não apareça pela frente um maluco qualquer com tendências suicidas e uma enorme dose de desrespeito pela vida alheia. Morrer devido à nossa própria estupidez ainda vá lá, agora devido à estupidez alheia é que não. Sinto-me mais seguro em Portugal, onde existem estradas a perder de vista, e onde é permitido “pecar” sem que disso resulte prejuízo próprio ou a outrém, mas em Macau não dá. Paciência.

Não sei se se aplica aos automóveis o mesmo que dizem sobre as armas de fogo: se o tamanho e a potência são uma forma de compensar por algo menos volumoso e menos potente. Mas seja como for, não se justifica ter um carro de grande potência numa cidade como a nossa. Existe em Macau e em Hong Kong uma cultura da velocidade e das corridas, a que não é alheio o próprio Grande Prémio, mas para demonstrar a minha masculinidade prefiro o convívio íntimo com o sexo oposto. Talvez o problema seja somente meu, mas os carros não me enchem as medidas. Não me dão tusa. Arriscar a vida atrás do volante (ou sujeitar-se a levar uma multa) não é um acto de braveza. É apenas parvoíce, que me desculpem os adeptos desta espécie de desporto radical.

Os espertalhões que aproveitam a madrugada para acelerar e roncar os motores não fazem senão uma figura triste: pisam prego a fundo durante três segundos, fazem um alarido que deixa toda a gente a olhar, e depois param num sinal vermelho. Coitados. Não que estas sejam normalmente contas do meu rosário, pois salvo raras excepções, como nesse dia, as 3 ou 4 da madrugada são reservadas ao sono, e ninguém me manda andar na rua àquela hora. Mesmo assim desconfio que em alguns casos este atrevimento dos “aceleras” locais é espicaçado pelo consumo de álcool ou de drogas, o que nesse caso torna o problema ainda mais grave. Seria recomendável mais atenção por parte das autoridades. Macau é cada vez mais a cidade que não dorme, e qualquer hora é hora para se ficar atento a estes Fittipaldis de fim-de-semana.

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