terça-feira, 26 de março de 2013
Arábia infeliz
Quando era miúdo e a imaginação ainda me orientava em parte, tinha uma curiosidade especial sobre a “Arábia”. A palavra lembrava desertos a perder de vista, histórias das mil e uma noites, Ali Babá, grutas cheias de tesouros, lamparinas mágicas, tapetes voadores, tudo coisas fascinantes aos olhos de uma criança. No início dos anos 80 as Doce cantavam “Homem das Arábias”, o que dava ainda mais charme a esta misteriosa região, e o cantor austríaco Falco (uma das minhas referências na juventude) tinha no seu disco “Falco 3” o tema “There’s nothing sweeter than Arabia”. Do pouco que sabia do mundo árabe o menos encantador era provavelmente o petróleo e os camelos. Nunca me passou pela cabeça que afinal esta “Arábia” que tanto me fascinava era um lugar pouco recomendável. Pelo menos para qualquer espírito livre ou amante da liberdade.
Quando da primeira Guerra do Golfo, em 1991, o nome “Baguedade” deixou de estar associado com a encantadora Sherazade, que seria substituída pelo grotesco Saddam Hussein. Depois disso foi sempre a descer, e a tal “Arábia”, ou o mundo árabe, era sinónimo de fanatismo, terrorismo, desrespeito pelos valores humanistas mais básicos, uma civilização parada no tempo. Com o fim da Guerra Fria, e quando pensávamos que podiamos talvez almejar à tão ambicionada “paz no mundo”, eis que das arábias surge o terrorismo islâmico, uma ameaça à escala global.Muitos dos países árabes são ora ninhos de terroristas, barris de pólvora instáveis, ditaduras horrendas ou tudo isso junto. Mesmo os países árabes mais prósperos e menos problemáticos são reinos que oprimem as mulheres, aplicam leis medievais e cometem atropelos atrozes aos direitos humanos. Há muito pouco que redima esta “Arábia” que em criança julgava ser uma espécie de paraíso.
Quanto mais aprendo sobre os árabes e sobre os países da “Arábia” menos vontade tenho de os visitar. Não considero sequer fazer lá uma escala de duas ou três horas em trânsito para outro sítio qualquer, e preocupa-me sobrevoar a peninsula arábica – e se é necessário fazer uma aterragem de emergência? Que o Diabo seja surdo. A Arábia Saudita, o maior e mais rico país do maranhal é talvez a “Arábia” por excelência. É um país onde as leis islâmicas são aplicadas com um rigor assustador e as infracções punidas de forma bíblica. Mãos e cabeças cortadas, apedrejamentos, chicotadas, uma loja dos horrores em pleno século XXI. A liberdade de imprensa é inexistente e mesmo a maior parte das páginas da internet são escrutinadas e censuradas. Basta que apareça uma mulher de bikini para que uma página fique inacessível. O álcool é proibido, o que significa que perante tudo isto não é possível sequer afogar as mágoas.
No outro dia almoçei com um amigo e discutíamos as fontes de energia alternativas, e o fim inevitável da dependência do petróleo. É exactamente o petróleo que torna países como a Arábia Saudita e alguns dos seus vizinhos países ricos, facto que aliás ostentam, vivendo em condições luxuosas. O meu amigo lembrou que estes países investem agora no turismo como alternativa a uma eventual falência da indústria do ouro negro, como é possível verificar pelas recentes infra-estruturas construídas no Dubai, nos Emirados, por exemplo. Se é essa a ideia, muito tem que mudar para que atraír o turismo. Quer dizer, um país onde as mulheres andam tapadas, a internet “tapada” está e não há um cervejinha que ajude a aguentar o calor tórrido do deserto não é a minha ideia de “férias”. Nem as minhas, nem as de ninguém no seu perfeito juízo. A ver vamos. Pode ser que o fim do petróleo traga ventos de mudança à “Arábia”, que poderá então ser mais parecida com as mil e uma noites e menos com os mil e um açoites.
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