quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013
Numa palavra: risível
Não se fala de outra coisa nos últimos dois dias em Macau na imprensa em português. Uma associação até agora praticamente desconhecida, a Associação de Ciência Política e Direito de Macau (ACPDM) publicou na sexta-feira no jornal Ou Mun uma missiva que apela à remoção das "instalações militares com um forte sentimento colonial". Em causa está um quartel situado na Estrada do Campo (mais exactamente na Rua de Entre-Campos), em Coloane, erigido pela administração portuguesa nos anos 30. Na missiva em questão lê-se que o forte em causa "é um símbolo concreto do poder colonizador", e que "afecta os sentimentos dos partriotas, acrescentando que a existência de tais símbolos da presença portuguesa podem ter influência "na harmonia a longo prazo entre chineses e portugueses, rematando que o Governo "deve distinguir monumentos culturais de instalações militares com forte poder colonial", que como é lógico para esta associação, "não devem ser conservados".
Passaram-se alguns dias e expôs-se o ridículo, ao ponto de ninguém querer assumir a autoria desta missiva. O presidente em exercício desta ACPDM demarcou-se desta acção, alegando que "já não exerce funções na associação". A carta, que relembro, foi publicada no Ou Mun, o jornal com mais tiragem em Macau, foi criticada por todos os responsáveis do sector do património e da cultura em Macau. A própria publicação deste manifesto que traz à lembrança os loucos tempos da Revolução Cultural é uma opção editorial questionável por parte do Ou Mun. Em suma: não lembra ao Diabo.
A polémica é perfeitamente risível. Ninguém no seu perfeito juízo concorda com um ponto que seja do conteúdo desta carta. Falei com alguns amigos chineses que leram ou têm conhecimento da missiva, e alguns especulam que existem outros interesses dissimulados. Aparentemente existe um projecto para a construção de um edifício naquela zona, e fortificação em causa é vista como um obstáculo à sua concretização. Já consigo imaginar o "brainstorming" dos patos bravos a quem o forte causa comichão: "Como nos vamos livrar daquilo? Já sei, vamos apelar aos patriotas!". Está bem, abelha. Seja qual for a verdadeira motivação, foi um fiasco com resultados risíveis.
Compreendo que se censure a publicação deste torpe e inócuo manifesto, mas não nos precisamos de preocupar, nem se justificam algumas reacções tão fortes por parte de algumas personalidades. O património dito "colonial", construído durante os tempos em que Macau era um província ultramarina portuguesa (não uma "colónia", bolas!) está bem e recomenda-se. Está para durar. Edifícios como o Clube Militar, o Quartel dos Mouros ou monumentos como as Ruínas de S. Paulo ou a Fortaleza do Monte são parte indissociável da beleza e originalidade do território. Nem vale a pena lembrar o significado histórico do forte de Coloane, que serviu de posto de defesa durante a Guerra do Pacífico. Nem os comunistas mais ortodoxos se lembraram alguma vez de questionar a legitimidade da Grande Muralha, por esta lógica "um símbolo da China imperial e feudal".
É possível que existam ainda algumas feridas abertas provocadas pela remoção da estátua do Governador Ferreira do Amaral da praça com o seu nome, localizada em frente ao Hotel Lisboa, no início dos anos 90. Para muitos o acto simbolizou o fim do domínio português neste pequeno enclave do sul da China. Mas é preciso recordar que existem ainda outros símbolos igualmente questionáveis, como a estátua do conquistador Jorge Álvares, em frente ao edifício do antigo Tribunal, e não se conhecem planos de eliminar esses "vestígios da ocupação por parte de uma potência estrangeira". A população de Macau tem plena consciência de que existe um passado recente que deixou marcas que são impossíveis de apagar por completo. Entre os mais bem informados, muitos orgulham-se mesmo disso; sem a presença portuguesa durante esse período tão conturbado da História da China que foi o século XX, Macau nunca seria o que é hoje.
Vamos portanto atirar esta polémica para trás das costas, e assumir que se trata de um devaneio de um qualquer néscio com segundas e terceiras intenções. Não existe um único sintoma de desconforto com o património histórico dito "colonial", e mesmo alguns episódios recentes de negligência ou descura pelo mesmo foram causados mais por incompetência do que por despeito ou ressentimento. Mesmo os profetas da desgraça que previram uma qualquer "revolução" depois da transferência de soberania já há muito que arrumaram a viola no saco. Macau vai continuar a ser Macau, sim senhor, e se calhar no futuro o Ou Mun deveria ser mais cuidadoso nos seus critérios editoriais. Pelo menos deviam ler antes de publicar. Isto só lhes fez ficar mal na fotografia...
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