sábado, 23 de fevereiro de 2013
A lei não mata a sede (nem ajuda a esquecer)
Está em Portugal a sair a nova lei do álcool, que causou alguma controvérsia por distinguir o vinho e a cerveja das bebidas espirituosas. De acordo com o novo diploma, um jovem com menos de 18 anos não pode consumir bebidas espirituosas, mas a partir dos 16 pode consumir vinho ou cerveja. As únicas alterações de monta prendem-se sobretudo com o horário de venda de bebidas alcoólicas, que fica assim limitado a clubes nocturnos, aeroportos e outros estabelecimentos licenciados entre a meia-noite e as oito da manhã. Pouco mais que isso.Na elaboração da lei foram ponderados factores como as estatísticas e a tradição – e ambas dizem que somos um país de bêbados.
Ao contrário dos países mais civilizados onde o consumo de álcool por menores é visto como sinal de decadência e em alguns casos associado às camadas mais pobres e menos educadas da sociedade, em Portugal sempre existiu uma grande flexibilidade – e bebamos mais um copo para comemorar. Não é nem nunca foi fácil a um jovem de 10 ou 11 anos chegar a um supermercado e comprar uma garrafa de whisky ou de vodka, mas a coisa muda de figura quando se trata de uma garrafa de vinho ou uma litrosa de cerveja, nem que seja com o pretexto de estar a fazer um recado ao pai. Eu próprio ia deste tenra ao supermercado entregar o vasilhame e levar uma grade de Sagres para casa e nunca sequer fui olhado com desconfiança. Num país e brandos costumes como o nosso, é comum um menor entrar numa farmácia e comprar preservativos, ou num clube de video e alugar um filme pornográfico. Se lhe perguntarem é só dizer “é pró meu pai”, e fica o problema resolvido.
Quando estudava no Liceu existiam à volta da escola vários cafés, tascas e restaurantes que os alunos frequentavam, e nunca vi os proprietários recusarem servir bebidas alcoólicas aos estudantes, mesmo os menores de 16 anos. Os almoços eram muitas vezes acompanhados de cerveja e de vinho, e não se pedia o bilhete de identidade. Havia alunos de 12 ou 13 que pediam “um café e um bagaço”, que nunca lhes eram negados. Recusar servir um aluno podia valer ao proprietário ou taberneiro a fama de “careta” ou “chibo”, e isto era má publicidade, e alguns destes estabelecimentos dependiam desta clientela. Chegavam mesmo a acontecer situações embaraçosas, como de alunos a voltar à escola visivelmente embriagados, sem que contudo se fossem apurar responsabilidades. É esta a “tradição” que temos.
Ainda me lembro de uma excursão que fizemos a Évora no 9º ano, teriamos entre os 14 e os 16 anos, portanto. Alguns dos meus colegas mais malandrecos levaram cerveja, que pelo meio da manhã já estava tudo menos gelada, ou sequer fresquinha. Os rapazolas bebiam-na durante a viagem, apesar do desprazer físico que constitui beber cerveja morna, mas a forma pouco discrete com que o faziam dava a entender que se tratava de alguma forma de afirmação. E deve ser mesmo isso: os jovens bebem álcool porque se trata de um comportamento “adulto”. É mais ou menos o mesmo que se passa com o tabaco. Mais uma vez entra aqui a velha maxima do “fruto proibido”, só que neste caso o fruto foi fermentado ou destilado.
Sou consumidor de bebidas alcoólicas desde os meus 17 anos, pelo menos assumidamente, e na verdade nem simpatizava muito com o vinho ou a cerveja antes disso. À cerveja só lhe comecei a tomar o gosto graças às imperiais geladinhas, que no Verão escorregam melhor que água, e que nem deviam ser classificadas de cerveja. Contudo não me orgulho de beber, e seria melhor para mim que não o fizesse. Tenho consciência disso, assim como toda a gente que consome bebidas alcoólicas: é um hábito prejudicial à saúde, e não há “tradição” que lhe valha. Seria muito complicado impôr a proibição a jovens menores de 18 anos, para não falar dos custos para a economia. Basta constatar que a maioria da publicidade que se vê em festivais “rock” e quejandos é de marcas de cerveja e derivados. Portanto não sejamos mais papistas que o Papa, e bebamos, amigos. Quanto mais bebemos mais esquecemos. Até cair para o lado.
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