terça-feira, 8 de janeiro de 2013
Um tolo em cada esquina
Se há coisas em que Macau se mantem fiel à sua origem, é na quantidade de gente gananciosa, parva e fácil de ludibriar. A ambição desmedida e a vontade de obter lucro fácil é bem patente nas filas às portas dos correios para adquirir as últimas colecções de selos, moedas ou notas comemorativas, ou na adesão em massa a qualquer oferta, saldo ou promoção, mesmo que isso signifique economizar apenas meia dúzia de patacas. Para causar uma onda de pânico generalizado, basta espalhar um boato sobre a falência de um banco qualquer para que 99% dos clientes se apinhem à porta deste horas antes da sua abertura. Para agitar as massas, basta ameaçar meter-lhes a mão ao bolso, o único sítio onde realmente lhes dói.
A situação ganha contornos mais sérios quando se junta a ambição à superstição e à ignorância. Em Macau ainda são comuns as histórias de residentes, especialmente os mais idosos, que vêem todas as suas economias evaporar-se em minutos, vítimas de burlões que nem sequer precisam de muito esforço para concretizar os seus desonestos intentos. Os ingleses e americanos designam estas burlas por “confidence tricks”, o que se pode traduzir facilmente para “truques de confiança”. E confiança é coisa que não falta a muitos dos nossos concidadãos, especialmente se estiverem envolvidas grandes somas de dinheiro e promessas de mais pilim. Ao contrário do que seria normal, quanto maiores forem os valores em jogo, mais facilmente se enganam os tolos.
Um truque típico que parece nunca falhar: uma senhora idosa é abordada por uma estranha que lhe pergunta a localização do consultório de um adivinho. A idosa desconhece o local, mas o diálogo é abruptamente interrompido por uma terceira pessoa, normalmente outra mulher, que diz não só conhecer a localização desse consultório, como alega ainda já lá ter ido, ou numa versão alternativa, diz-se parente do adivinho em questão. Ao mesmo tempo diz que a idosa ou alguém da sua família “corre um grande perigo”, e que as devia acompanhar. Como boa matriarca que é, preocupada consigo e com os seus, a idosa acede. Uma vez lá chegados, o burlão que se faz passar por adivinho aconselha a idosa a depositar todo o seu dinheiro e jóias num saco preto, que será depois “abençoado” numa cerimónia particular, longe do olhar da vítima, naturalmente. Quando o saco é devolvido, o dinheiro foi substituído por recortes de jornal, e as jóias por laranjas ou garrafas de água. Segue-se a habitual queixa junto das autoridades, que vão logo investigar e ver se encontram o grupo que enganou a ingénua velhota.
Para mim e para o leitor, esta conversa pode parecer uma parvoíce pegada, mas o “truque” resulta, e chega a ser bastante lucrativo. Resultava há 20 anos, resulta agora e vai continuar a resultar no futuro. Ainda na semana passada foram detidos dois burlões que angariaram 160 mil patacas entre duas vítimas num curto espaço de tempo. Há mesmo quem tenha consciência que isto se trata de uma burla, mas mesmo assim caia. É que nestas coisas de dinheiro, superstição e família, o bom senso nem sempre prevalece, e algumas vítimas parecem “desaprender” à medida que vão envelhecendo. O que me aborrece é que as pessoas que não caem neste truque (e serão muitas) não denunciem os burlões antes que estes façam mais uma vítima. É parte do dever cívico de cada um denunciar este tipo de golpistas.
Muitos destes burlões chegam da China continental, pois nem só aos turistas bem intencionados e aos jogadores são dados os tais vistos individuais. Há quem venha ao território gastar dinheiro, e há quem venha tentar fazer algum. Outros “espertalhões” usam truques que passam por distraír lojistas enquanto um cúmplice “limpa” a caixa registadora, outros usam um truque com trocos de notas altas semelhante à nossa “vermelhinha”, e alguns dedicam-se simplesmente ao furto clássico, desde indivíduos que cortam o fundo de bolsas de senhora com x-actos a simples carteiristas e ladrões de telemóveis. Ultimamente são comums as burlas praticadas através da internet, em sites de compras online. Num caso recente um indivíduo transferiu quantias assinaláveis de dinheiro a alguém que se fez passar por “um amigo” que se encontrava detido na China. Imaginação é coisa que não falta.
A única forma de evitar ser vítima destes amigos do alheio é estar atento. A atenção deve ser redobrada em zonas muito frequentadas, onde é mais fácil ser roubado sem que se dê conta disso, ou onde os meliantes se podem misturar mais facilmente entre a multidão. Por muito que custe renunciar aos princípios cristãos do bom samaritano, confiar num estranho “em apuros”, por demais convincente que nos possa parecer o seu desespero, é uma opção arriscada. É mais difícil educar gente ignorante, que será sempre vulnerável aos avanços dos charlatões, mas isto não significa que estamos completamente imunes. Alguns destes burlões têm muita experiência, e usam truques que pouco ficam a dever ao mais talentoso ilusionista. Olho vivo é preciso, para não nos lamentarmos mais tarde.
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