terça-feira, 29 de janeiro de 2013
Tempo (e espaço) é dinheiro!
Existe uma pastelaria de matriz portuguesa localizada próxima do centro de Macau, bem conhecida dos expatriados aqui residentes e por eles habitualmente frequentada. É comum encontrar nesta pastelaria que também serve diariamente almoços alguns membros respeitáveis da nossa comunidade, e chega a servir de ponto de encontro. É ali que se consegue recriar a tradição tertuliana dos cafés em Portugal de forma mais ou menos fiel, e não é sequer necessário entrar em despesa para passar uma tarde sentado na esplanada improvisada em amena cavaqueira com um grupo de amigos. Muitas vezes basta pedir duas “bicas” para alugar uma mesa por algumas horas.
A tranquilidade quase idílica deste cenário é diariamente interrompida pela visita de um conhecido indigente de etnia chinesa, que durante alguns minutos pede esmola entre os clientes do café. A generosidade típica dos portugueses leva-os a dispensar uns trocos para o pobre diabo, que não raras vezes chega mesmo a consumir ali uma refeição patrocinada por algum freguês mais simpatista com a condição do desgraçado, que descura a higiene pessoal e manifesta sintomas evidentes de um quadro de doença mental. O mesmo indigente é normalmente escorraçado de outros estabelecimentos locais frequentados por residentes igualmente de etnia chinesa, e em muitos casos nem lhe é permitida sequer a entrada. São estes pequenos gestos que demonstram a diferença entre o cáracter mais humanista dos ocidentais e a natureza mais pragmática dos chineses. E podemos encontrar outros exemplos flagrantes.
A própria passividade do café/pastelaria em questão no que diz respeito à ocupação do espaço reservado ao consumo dificilmente encontra um paralelo na restauração local. A quase totalidade dos estabelecimentos chineses preferem que os clientes comam, paguem e vão embora. Não existe nenhuma lei que obrigue um cliente a comer ou beber depressa, e torna-se complicado “despachar” alguém que fez despesa e espera ser tratado de acordo com as regras mais básicas da hospitalidade. Mas existem outras formas mais diplomáticas de convidar um cliente mais relaxado a sair, especialmente se existirem outros potenciais clientes à espera de mesa. Algumas casas de pasto resolveram o problema limitando o acesso à casa-de-banho, que fica apenas acessível aos empregados. Assim pode ser que os mais resistentes sejam vencidos pela bexiga.
Há alguns anos a minha esposa partiu acidentalmente um frasco de ovos de salmão num conhecido supermercado da Taipa, um prejuízo na ordem das 200 patacas. A proprietária recusou o dinheiro, uma vez que se tratou de um acidente. Num supermercado chinês o mais provável seria compensar o prejuízo, mesmo que este fosse na ordem da meia dúzia de patacas, quanto mais 200. Mesmo um prato ou um copo quebrado acidentalmente num restaurante não significa necessariamente uma despesa extra para o cliente, mas provoca males de fígado ao patrão. Numa mentalidade puramente comercial, fazer negócio implica o máximo de lucro com o mínimo de despesa e sem prejuízo de qualquer espécie. E quem se atreve a questionar esta regra de ouro?
Não é preciso referir a fama que o povo chinês adquiriu no que diz respeito ao comércio. Provavelmente apenas os judeus rivalizam com os chineses quando se trata de fazer dinheiro, e nenhuma hora é má hora para o efeito. A filosofia laboral dos chineses é mal recebida no Ocidente, e mesmo em Portugal, onde o descanso é sagrado, não é bem visto que venham de tão longe uns gajos que não se importam de trabalhar todos os dias até à meia-noite, incluíndo Domingos e feriados. Só podem mesmo ser pagãos. O pior é que os resultados são os que estão à vista. Numa economia global em crise marcada pela falência do estado social, o trabalho semi-escravo começa a ser visto como uma tendência emergente. Os direitos conquistados pelos trabalhadores e os seus sindicatos através de tantos anos de luta e muito sangue derramado dizem pouco ou nada a quem se quer “competitivo” nos mercados actuais. E “competitivo” não significa apenas cumpridor. São exigidos cada vez mais sacrifícios. E alternativas, será que existem?
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