terça-feira, 22 de janeiro de 2013
Sem cerimónias
Quando era puto achava que o casamento era o máximo, um sucesso, a expressão suprema da maturidade. Especialmente durante a adolescência, quando as hormonas pulavam dentro de mim e não havia rabo-de-saia que não passasse despercebido. Quem casava tinha conseguido uma boa “pescaria”, e não ia passar fominha, de certeza. Quanta ingenuidade, a minha…afinal o casamento é apenas um método de tortura medieval ainda em vigor. O pior é que quando nos apercebemos disto, é tarde demais. Ao contrário de uma queda de um vigésimo andar, que sabemos ser fatal e por isso não arriscamos, o casamento é daquelas coisas que é preciso experimentar para se saber que é mau. E não pensem que passei para o lado daqueles tipos que falam mal do casamento porque o deles não resultou, que foi o que sempre pensei de quem afinal me estava a dar bons conselhos; o casamento é mesmo uma grande merda, meus amigos. Subitamente tornei-me a favor do casamento gay, pois os homossexuais merecem ser tão miseráveis como o resto da humanidade.
O matrimónio é um flagelo que alastra mais que a SIDA: todos os dias milhões de pessoas se casam em todo o mundo. E o mais comum é dar-se uma festa para assinalar o evento, o que é irónico; enquanto um funeral é uma cerimónia triste para assinalar o fim de uma festa (a vida), o casamento é uma festa que dá início a uma cerimónia triste (a vida de casado). O trágico é que existem muitos casais que até são felizes apenas vivendo juntos ou em união de facto, mas são pressionados a casar, ora pelos pais, ora pela necessidade de mostrar ao mundo que gostam mesmo um do outro, como se o mundo quisesse mesmo saber. Por estas razões e por outras, fazem um disparate, e casam-se. Alguns casam-se quando descobrem que a moça está grávida, como se o nascimento dependesse de um papel assinado. Acredito mais no amor entre casais cuja relação não é aceite pelos pais ou pela sociedade e por isso suicidam-se de mão dada do que em casais que contraem matrimónio. Desses desconfio, e muito.
Não quero falar da minha experiência pessoal com isto do casamento, pois muitos dos meus problemas são comuns a outros casais ou casamentos fracassados. Diz-se na brincadeira que a principal causa do divórcio é o casamento, mas isto é verdade, e é uma coisa muito séria. A meu ver não deviam existir divórcios, mas apenas o velho princípio do casamento católico: até que a morte vos separe. Tenho a certeza que assim muita gente pensava mil vezes antes de casar. Um divórcio implica separação, choque, ressentimento e um misto de sentimentos nem sempre positivos por alguém que ainda há pouco tempo era o nosso “mais que tudo”. Se o divórcio é litigioso ou existem filhos menores, metem-se ao barulho advogados, tribunais, partilhas, custódias, despesas e o camano. Não sei como é que ainda se contam anedotas a este respeito.
Sem casamento os problemas eram de simples resolução. “Ai fizeste sexo em grupo com o plantel de basquete do Barreirense? Então chau”. “Com que então comeste a minha melhor amiga, seu desgraçado? Que te faça bom proveito!”. Não se evitava a sempre desagradável dor de corno, mas pelo menos era mais suportável sem o nó do casamento. Não era necessário partilhar detalhes sórdidos da nossa vida íntima com estranhos, nem passar por vítima para depois não ser esfolado vivo pela justiça e ser obrigado a pagar pensões de alimentos (que nome tão feio), tornas e não sei que mais. Além disso um divórcio desvaloriza-nos no mercado: se não servimos para uma pessoa, porque havia outra de estar interessada em nós? Pessoalmente não censuro quem não se contenta com os restos dos outros.
Macau não é muito diferente do resto do mundo, e temos aqui a percentagem normal de casamentos e divórcios. São comuns os casamentos fraudulentos, uma vez que a forma mais rápida e fácil de obter residência no território é através do casamento com outro residente. Não faltam casamentos entre pares incompatíveis a olho nu (homens muito mais velhos, mulheres muito pouco atraentes), mas onde os interesses falam mais alto. Os casos detectados são normalmente resultado de denúncia, normalmente por um dos nubentes que se sentiu enganado. Muita gente não sabe ainda que o simples facto de não existir coabitação entre os cônjuges é suficiente para se considerar um casamento fraudulento. Dois não-residentes não podem contrair matrimónio em Macau, mesmo que queiram muito e não visem com isso obter qualquer espécie de benefício. A lei simplesmente não lhes permite – o casamento é reservado apenas aos residentes. Especificidades de Macau, até nisto do casamento.
Contudo aqui a tradição da cultura chinesa tem muito peso. Há casamentos que são um verdadeiro fracasso mas não acabam por uma questão de “face”. Muitas mulheres toleram a infidelidade e outros abusos por parte do companheiro apenas com o intuito de “manter a união familiar”, um conceito muito enraízado e valioso. Os homens são menos tolerantes, e a maior parte dos divórcios partem da iniciativa do marido. As mulheres chinesas têm ainda uma tendência para se vitimizarem, muitas vezes dramatizando, que depois do divórcio “ficam abandonadas”. Curiosamente muitas ainda pensam que o tribunal lhes dará sempre razão, ora porque são mães, ora porque o marido ganha mais, ora porque não trabalham – muitas porque não querem, não porque não podem – e dependem do marido.
E porque não aderem os chineses à tendência ocidental, onde o casamento caíu em desuso e muitos casais optam apenas por viver juntos sem precisar de um papel que valide o relacionamento? Era interessante fazer um estudo mais aprofundado do fenómeno, mas só para que se tenha uma ideia, uma gravidez resulta quase sempre num casamento – é a versão local do “shotgun wedding”. Mais uma vez se prima pela falta de informação, mas muita gente em Macau ainda pensa que um filho nascido fora do casamento é “bastardo”, apesar da lei ter sido alterada nos anos 70 do século passado. Na cultura chinesa continua a ser um bastardo, e isso é que interessa, e pouco importa o que diz a lei dos estrangeiros que não percebem nada destas coisas de “honra”. Mesmo que já não seja assim, os pais da moça ainda não aceitam que o fulano engravide a filha e depois não case com ela: “ajoelhou, tem que rezar”.
Para as meninas o casamento é mais que uma simples formalidade. É como um atestado de propriedade, e estão a passar à concorrência uma mensagem: “este é meu e ninguém toca”. Depois do papel passado pelo registo civil, é como se o “passarinho” ficasse preso e só a dona possa abrir a gaiola. Como o sexo é o que menos importa (como em qualquer casamento, aliás) as meninas locais ambicionam a casar com o homem que as desflorou. É verdade que as mentalidades vão mudando lentamente, mas mesmo os homens preferem casar com uma mulher que só tenha dormido com eles, e não suportam a ideia de se cruzar com um “ex” qualquer na rua. Claro que os homens gostam de sexo, de preferência com mais de uma parceira, mas existem mulheres para esse efeito, e mulheres “para casar”. Com este tipo de mentalidade vigente, surpreende-me que os cintos de castidade não sejam ainda uma opção.
Como o casamento é mesmo levado a sério, existem mulheres que hesitam tanto que acabam por ficar solteiras, ou “para tias”, como costumamos dizer. É mais fácil um homem com alguma idade encontrar uma companheira, mesmo que muito mais nova, mas uma mulher que chegue aos 40 anos solteira só com muita sorte conseguirá casar. É uma consequência normal deste complicadíssimo sistema que dá primazia à honra, à face e todas essas coisas que nem enchem a barriga a ninguém. Neste jogo, quem não se despacha, fica a ver a caravana passar. Algumas aceitam esta sorte como uma coisa normal, e se calhar até têm razão. Quem disse que o casamento é uma coisa boa?
100% de acordo.
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