terça-feira, 15 de janeiro de 2013

O sol brilha mais a nascente


Quando era puto, o meu maior sonho era visitar o Japão. Não sei porquê, mas o país do sol nascente exercia sobre mim um fascínio inexplicável, apesar da minha ignorância quase completa pelo país, e o facto de não conhecer um único japonês. Como qualquer outro jovem ocidental, tinha curiosidade sobre o oriente, e o Japão era para mim o expoente máximo dessa realidade distante. Do ponto de vista de alguém que passou a maior parte da infância e atingiu a adolescência nos 80, o Japão era visto como um país muito “in”, para muitos a maior potência mundial do futuro. Era apenas uma questão de tempo. Mas “chapeau”, o Japão é hoje apenas o Japão, agora muito menos misterioso e encantador, e em vinte anos que levo de oriente não pûs lá os pés uma única vez. Quem me viu e quem me vê.

Tinha eu 13 anos e sabia perfeitamente o que era sushi, apesar de nunca ter comido, sake, sem nunca ter bebido, e hara-kiri, sem nunca o ter executado (er…lógico). Encantava os meus colegas e amigos matarruanos com histórias de ninjas e geishas, e eles que nem sabiam a diferença entre um chinês e um japonês, e para quem o karate e o kung-fu era “a mesma coisa”. Do Japão só conheciam os jogos da Atari, da mesma forma que muita gente adulta em Portugal conduzia um Toyota, um Honda ou um Mitsubishi sem saber porra nenhuma sobre o país de origem. Para mim o imperador Hirohito era o “venerável”, e mesmo dos livros juvenis que lia sobre a II Guerra Mundial ficava com a ideia de que o Japão se calhar devia ter saído vencedor. Aquilo dos kamikazes era giro, e as bombas atómicas de Hiroshima e Nagasaki pareciam-me uma sacanice rasteira típica dos americanos. Foi apenas no início da idade adulta que tomei consciência das atrocidades que o império que tanto admirava cometeu. Foi um misto de choque e de desilusão.

Mas visto dos anos 80, outra vez, o Japão parecia lindo. Quer dizer, é difícil destestar gente que trabalha 16 horas por dia, disciplinada, educada e limpinha. É a mesma coisa que um europeu que conduz um BMW, que tem em casa uma televisão Grundig e que toma aspirinas da Bayer quando tem dores de cabeça considerar que os alemães “não passam de uns Nazis filhos-da-puta”. É uma hipocrisia que se dispensa. Tais como os alemães, os japoneses são um povo que teve os tomates para se erguer de uma humilhante derrota, e dizer “posso, quero e mando” por meio dos turculentos caminhos da economia. “Ai perdemos a guerra? Então vamos vender coisas que os gajos querem, e ficamos com o dinheiro deles, ich gut?”, perguntam uns. “Totemo yoi”, respondem os outros, enquanto limpam mais uma barriga de fugu, o tal peixe que é 80% composto por mortífero veneno, outra deliciosa particularidade da cultura nipónica.

A principal razão porque não fui ainda ao Japão, apesar da actual proximidade, é o custo da experiência. Tivesse eu 13 ou 14 anos outra vez e o mesmo dinheiro que tenho hoje, e ia lá sem pensar duas vezes, à procura do meu nenúfar de sonho onde pousar de kimono e chinelo, e aí repousar suavemente. Só que além do desencanto que os últimos 20 e tal anos de aprendizagem me trouxeram, pesa ainda o factor económico, e realmente não me apetece contribuir para a exigente economia de uns gajos que ainda há 70 anos andavam por essa Ásia fora a espetar bebés recém nascidos na ponta das baionetas. Satay por satay, prefiro o original, o de bife e o de galinha.

Mesmo assim tenho que dar o devido mérito ao país do sol nascente, que tenta sempre ser igual a si próprio, e que nos tempos que correm não constitui uma ameaça de maior para a humanidade. Pode ser que um dia me convençam a lá ir, e se me convidassem, melhor ainda (eh, eh). Por enquanto fica o projecto em águas de sashimi de atum, enquanto tento encontrar no fundo do meu ser resquícios daquela paixão que tinha pelo Japão e pelos japoneses. Por enquanto, “mata aimashou”, que é como quem diz, “até qualquer dia”.

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