sexta-feira, 11 de janeiro de 2013
A lei do mais forte
Para quem ainda não leu, aqui está o artigo de ontem do Hoje Macau.
I
Em Macau continua a existir uma timidez em produzir legislação que proteja os mais fracos, os que não se sabem defender ou que não são capazes de expressar a sua angústia perante formas de tratamento desumanas. Exemplo disso é a forma como são tratados os animais, que são tantas vezes abandonados, agredidos e torturados, sem que se adoptem medidas concretas para punir este tipo de crueldade. Não sou a favor de que se mantenham animais domésticos em apartamentos, muitos deles já por si pequenos, e partilhados por quatro e até mais pessoas. Mas isto é apenas a minha opinião pessoal, e já que há quem opte por mesmo assim ter um animal doméstico, um cão ou um gato, deve tratá-lo como um elemento da família, e considerar que aquele é também o seu lar. É uma responsabilidade que se tem que assumir, e deve-se pensar muito bem antes de assumi-la, fazer uma profunda reflexão pessoal, e ter a certeza absoluta que se tem capacidade para cuidar de mais uma vida. Só que perante a lei um animal doméstico é considerado um objecto, propriedade privada, e como tal pode ser posto e disposto como uma jarra ou uma escova de dentes, e cada um faz com ele o que bem entender. Não sei quem tem a coragem de agredir uma criatura viva com sentimentos sem que disso retire qualquer proveito. É aceitável que se tire a vida a um animal que nos venha a servir de alimento, e mesmo assim deve-se evitar prolongar a sua dor, mas nada justifica que se faça sofrer um animal que por natureza quer ser nosso amigo, e espera que retribuamos com afecto. São imagens chocantes que nos chegam tantas vezes das associações protectoras dos animais, de cães e gatos mutilados, cegos, de orelhas e rabo cortados, traumatizados e com medo do contacto humano. Quem são estes monstros sádicos que tratam desta forma os bichinhos? O ideal seria que existisse uma punição exemplar que desencorajasse este tipo de comportamento. Multas elevadas que levassem a pensar duas vezes antes de agredir ou abandonar um animal, e até penas mais severas para os reincidentes. Mas tudo indica que isto não vai acontecer, pelo menos num futuro próximo. Os “patrões” de Macau têm outras coisas com que se preocupar, como os negócios ou em encontrar mais formas de facturar, e se lhes falamos em legislar para proteger os direitos de cães e gatos, ainda pensam que estamos a brincar com eles. Infelizmente ainda vigora o preconceito de que quem trata um animal da mesma forma que trata um ser humano é “maluquinho”. Os grupos que se batem pelos direitos dos animais são muitas vezes tidos como uns “chatos” que não têm mais que fazer. Vamos dar graças pelas caridosas associações e cidadãos privados que combatem nesta cruzada pelos animais, contra esta indiferença que é uma vergonha numa sociedade que se diz civilizada.
II
Ainda antes que os animais tivessem uma legislação que os proteja da maldade dos humanos, era ideal que outros grupos igualmente frágeis da sociedade vissem também os seus direitos salvaguardados. O ano passado perdeu-se uma oportunidade para se legislar contra a violência doméstica, que assim continua a não ser considerada crime público, como acontece em tantas jurisdições modernas por esse mundo fora. A justificação passa pelo conceito confuciano de “harmonia familiar”, do respeito pela privacidade e pelas hierarquias. Nesta hierarquia concreta, são as mulheres e as crianças que ficam no fundo da pirâmide. São o elo mais fraco. Macau mudou muito nos últimos anos, e apesar de continuar a ser uma cidade relativamente segura, apareceram novos problemas derivados do crescimento desenfreado da economia. O dinheiro é um veneno que vicia e corrói a estrutura social, e quanto mais dinheiro se tem, mais se quer. A ambição nunca pode ser boa conselheira. A vontade de facturar leva a que se relativizem alguns valores, e assiste-se cada vez mais à desagregação da instituição da família. As mulheres são quase sempre a principal vítima, sujeitam-se muitas vezes a abusos diversos em nome da unidade familiar, e ficam a sofrer em silêncio. Não me interessa o que se passa na casa do vizinho, mas reconheço o direito da vítima à protecção, e o direito de denunciar situações de violência que me sejam dadas a presenciar. Se o meu vizinho do lado for violento, bater na mulher, nos filhos, na sogra e no papagaio, partir os pratos, e tudo isto com berros e choradeira à mistura, isto não interfere com o meu direito ao sossego e com a paz do meu lar? Ou será que a “harmonia” também se quantifica, e a minha vale menos?
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