sábado, 8 de dezembro de 2012

Uma China, dois Pachecos


O treinador de futebol Jaime Pacheco esteve no "Cinco para a meia-noite" na última quinta-feira, programa transmitido hoje pela RTPi. O técnico regressou de Portugal depois de dois anos a treinar o Beijing Guo'an, na liga chinesa, tendo conseguido um segundo e terceiro lugar, e ficado no coração dos adeptos pequinenses, que lhe pediram para ficar, debalde. Gostei do programa, animado como sempre, e sou grande fã do apresentador Pedro Fernandes, também ele conhecido por "Pacheco" (o seu apelido do meio), mas hoje fiquei um pouco decepcionado com o teor da conversa.

Pedro Fernandes tentou fazer humor usando o preconceito que ainda existe em Portugal com a China e com os chineses. Preconceito esse derivado de uma gritante ignorância que infelizmente persiste. Quando perguntou a Jaime Pacheco como era a vida na China, Pedro Fernandes usou praticamente todos os clichés possíveis e imaginários: que a língua é impossível de entender, que os chineses comem cães, assam cães na rua, ou que os produtos chineses são defeituosos. O apresentador começou por perguntar "se os árbitros chineses são diferentes dos outros". Eu respondia-lhe logo que sim; que em vez de trajarem de preto como qualquer árbitro em todo o mundo, vestem um roupão amarelo com desenhos de dragões, chapéu em bico, bigode de fu-man-chu e em vez de um apito usam um gongo. Enfim, divirtia-me um bocado com as perguntas parvas.

Uma pergunta que me causou particular estranheza: "Aqui nós temos as lojas dos chineses. Eles lá têm qualquer coisa parecida? Tipo loja dos mexicanos ou isso? Qualquer coisa que já não conseguem ver à frente?". O que é que isto quer dizer exactamente? Se estão "fartos" das lojas dos chineses, e "já não as conseguem ver à frente, deixem de fazer lá compras. É assim tão complicado? Ou são apenas masoquistas e gostam de sofrer fazendo algo que "já não aguentam mais"? Ora essa, não gostam, não comam. Se estão fartos dos chineses boicotem-nos, e se ninguém lá puser os pés nos restaurantes ou nas lojas, eles fecham a porta e se calhar vão embora. Mas isto agora sou eu a ser ingénuo.

Felizmente o treinador manteve a compostura, elogiando os chineses, que sempre o trataram bem, enquanto Pedro Fernandes olhava para ele como se tivesse acabado de voltar de uma longa temporada a habitar entre os esquimós no Pólo Norte. Para ajudar à festa estava lá um humorista brasileiro, um tal Fernando Caruzo, que disse que os chineses eram os melhores do mundo no pingue-pongue e no badminton "porque eram os únicos que jogavam". Que grande cromo. A única coisa que tenho a apontar a Jaime Pacheco foi ter passado dois anos na China sem ter provado a comida chinesa, mostrando-se até pouco receptivo à ideia. Diz que só comia "quando tinha a certeza do que estava a comer", e frequentava um restaurante português da capital chinesa. Paciência, assim aprendeu menos.Mas do Jaime Pacheco, que sempre foi um pouco obtuso, não se podia esperar muito mais.

Ainda estou para perceber porque é que os portugueses continuam a olhar para os chineses como se fossem alguns seres estranhos de um lugar estranho onde tudo "deve ser o contrário de Portugal". Se os chineses se importassem com as graçolas e não nos remetessem à nossa insignificância, ficavam a interrogar-se qual seria a próxima empresa pública semi-falida que tinham que adquirir em Portugal para que se percebesse que não são nenhumas criaturas de outro planeta. Felizmente os portugueses que já visitaram ou viveram na China não devem achar muita piada a este tipo de humor rasteiro e fácil. Para estes é o Pedro Fernandes que se comporta como se fosse um ser estranho de uma realidade distante.

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