domingo, 23 de dezembro de 2012
S. Miguel Arcanjo
Quando me sinto só ou procuro inspiração, nenhum sítio é melhor para o efeito que o cemitério S. Miguel Arcanjo, localizado na Estrada do Cemitério, na descida da Rotunda dos Bombeiros para quem vem do Hospital Kiang Wu, e na subida de quem vem do lado do Tap Seac. Daqui de casa é uma pequena caminhada de dez minutos que se faz sem muito esforço. Uma vez passados os portões do cemitério, pode-se usufruir de uma paz interior transmitida pelos tons de branco e cinzento das lápides, e ainda deverá ser um dos poucos locais na peninsula de Macau onde podemos ser deixados a sós com os nossos pensamentos durante o dia, sem o ruído constante que nos azucrina e que se tornou a banda sonora deste filme que é o quotidiano da cidade.
O S. Miguel Arcanjo deverá ser um dos cemitérios mais lindos do mundo, e certamente um dos mais originais e ricos em História. Logo que se entra temos do lado direito o túmulo de Pedro Nolasco da Silva, ilustre macaense que entre outras obras deixou a Farmácia Popular e o asilo dos pobres, e que canalizou todas as suas energias em acções beneméritas e na educação dos filhos da terra. Provavelmente o maior macaense de todos os tempos. Do lado esquerdo temos a sepultura do Coronel Vicente Nicolau de Mesquita, completa com o busto que representa a sua nobre figura. O Coronel Mesquita foi o governador de Macau que sucedeu ao controverso Gen. Ferreira do Amaral, dirigindo os destinos do território durante um período difícil. Um bravo militar que desempenhou heroicamente as suas funções. Estas duas referências que primeiro se apresentam quando entramos no cemitério são um exemplo do que podemos encontrar. É o destino final dos intérpretes da vida de Macau dos últimos dois séculos. A última estação da riquíssima História do território.
Com ou sem motivos de interesse histórico, a própria estética do cemitério já justifica uma visita mais demorada. Os motivos que decoram as campas, as cruzes, os anjos, as imagens da virgem e dos santos são de uma beleza que chega a cortar a respiração. O ossário dos bombeiros, em homenagem aos soldados da paz que perderam a vida no cumprimento do seu dever, é um monumento imponente que chama a atenção, e não deixa ninguém indiferente à forma como não se quis deixar cair em esquecimento a dedicação destes combatentes. Uma observação mais cuidada dos diversos talhões que compõem o cemitério deixa-nos observar todo o tipo de curiosidades, detalhes e preciosismos únicos, inscrições lapidares inspiradoras,algumas mesmo comoventes, bem como algum rigor na manutenção, que evidencia o carinho com que os cristãos de Macau tratam os seus entes queridos, mesmo depois da sua partida deste mundo.
O S. Miguel Arcanjo é muito mais que um cemitério; é um ponto de interesse turístico, é um local que merece ser visitado, estudado, fotografado e guardado para a posteridade, para uma memória futura. Infelizmente este tipo de ideia esbarra sempre com um certo conservadorismo, vindo principalmente de quem defende que “os mortos devem ser deixados em paz”. Não se trata de levar ao cemitério excursões de turistas, como acontece no parisiense Père Lachaise, nem de faltar ao respeito aos defuntos. Acho que ninguém pensa nos milhares de esqueletos subterrâneos quando percorre um local tão belo e interessante. O culto terá sempre o seu espaço e poderá ser sempre exercido sem que ninguém se intrometa. Superstições e crendices relacionadas com uma eventual retaliação contra quem “perturba o descanso dos mortos”(?) remeto para a esfera do sobrenatural. Aliás há uma coisa que sempre digo: o cemitério é o lugar do mundo onde me sinto mais seguro. Pelo menos tenho a certeza que os que ali estão não nos vão fazer mal algum.
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