quinta-feira, 20 de dezembro de 2012
Parabéns, RAEM!
Passam hoje 13 anos desde a criação da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), feriado em Macau, o nosso “dia nacional”, fosse esta uma nação propriamente dita. Foi neste dia, em 1999, que Macau scordou pel aprimeira vez sob administração chinesa e integrado no “segundo sistema” da R.P. China, que já vigorava em Hong Kong desde Julho de 1997. Na noite anterior deu-se a passagem de testemunho, com os presidentes Jorge Sampaio e Jiang Zhemin a formalizarem a entrega da última possessão ultramarina portuguesa à sua proprietária original, a China. Este gigante asiático, que durante os mais de quatro séculos de presença portuguesa neste pequeno enclave viveu uma história atribulada, granjeou então a maturidade e estabilidade necessária para assumir esta responsabilidade, sem que se tenham colocado muitas reticências. A mudança de soberania foi apenas uma formalidade, uma vez que nos anos seguintes à assinatura da Declaração Conjunta o território foi-se preparando para o efeito, dotando-se dos mecanismos necessários para que não acontecesse um “choque”, e garantido a continuidade de um sistema diferente do socialismo vigente na República Popular.
Vivi pouco mais de seis anos em Macau durante a administração portuguesa, e nem por uma única vez senti que estava numa “colónia”. Tecnicamente Macau era um território chinês sob administração portuguesa, e não se verificavam os excessos típicos de uma administração colonial propriamente dita. Os tempos eram outros, e o “saque” característico do colonialismo já não tinha lugar. É verdade que o facto de ser português ou de dominar a língua portuguesa tinha as suas vantagens, nomeadamente no acesso ao emprego na Administração, mas outra coisa não seria de esperar num território administrado por Portugal desde o século XVI. Deixam-se marcas que simplesmente não desaparecem de um dia para o outro, e ninguém no seu perfeito juízo pensa (ou quer) o contrário. Os locais conviviam bem com os portugueses, e a bem ou a mal, conseguimos aqui impôr alguns aspectos da nossa cultura que colhem junto de outra tão díspar que partilha connosco este espaço. Ainda hoje os chineses de Macau olham para os portugueses como “aqueles rapazes simpáticos”, que não constituem uma ameaça. Alguns chegam a sentir alguma nostalgia dos tempos pré-RAEM, principalmente os mais desiludidos com alguns defeitos e faltas do tal jargão de “Macau governado pelas suas gentes”.
Os últimos anos da administração portuguesa foram uma altura de tomar decisões importantes. Muitos portugueses nascidos no território e outros que aqui residiam há décadas e onde constituiram familia tiveram que optar por continuar, ou regressar a Portugal, que para alguns era apenas o país dos seus antepassados, e uma verdadeira incógnita. Perdoem-me a arrogância, até porque não fui o único a fazer esta opção, mas poucos meses depois de chegar a Macau nunca tive dúvidas que iria aqui ficar muitos e bons anos, até além da data limite. Macau é o local ideal para muitos que como eu deixaram de acreditar nas “histórias da carochinha” que temos escutado praticamente desde que somos gente, vindas dos que vão prometendo o tal “Portugal próspero e feliz”, eternamente adiado. Nunca me preparei para deixar o território, nunca arrumei caixotes nem guardei espaço nos contentores. Quando foi a hora de decidir, nem foi preciso pensar. Já tinha decidido há muito, não perdi um minuto de sono com eventuais dúvidas sobre a validade da minha escolha. Nem me posso dar ao luxo de dizer que tomei a decisão certa, atendendo à actual situação lastimável em que o meu país se encontra actualmente. Esta era a decisão que tomaria sempre. Macau é agora a minha casa, chamem-lhe RAEM, chamem-lhe o que quiserem.
Mas não foi tudo assim tão pacífico, especialmente durante o último ano de administração portuguesa. Os portugueses que tinham ainda fresca na memória a forma desastrosa como foi feita a descolonização em África não pensaram duas vezes em partir, e quem os pode censurar? Nem adiantava chamá-los à razão e explicar que os tempos mudaram, e esta transição tinha sido bem pensada e preparada. Mas enquanto muitos sabiam que não podiam ficar simplesmente porque não tinham um sentimento de pertença e queriam fazer a vidinha do outro lado, outros houve que desejavam ficar e foram coagidos a sair. Foi com surpresa que vi portugueses de Macau, ou macaenses, famílias que viviam em Macau há várias gerações, deixarem a terra que os viu nascer, porque “não confiavam na administração chinesa”. Falava-se de uma eventual “vingança”, de “ajustes de contas”, do “fim das liberdades”, em suma, o caos. Nunca por um segundo acreditei nestas teorias absurdas. É verdade que foram cometidos alguns excessos, e quem tivesse desabafado com um ou outro “depois vocês vão ver”, mas era evidente que ninguém estava interessado em que o modus vivendi desse uma volta de 180 graus. Macau foi sempre uma cidade tranquila, pacífica e próspera, e não exisitia nenhuma razão para encetar mudanças radicais, ou fazer alguma “limpeza”.
O pessimismo de alguns era até justificado, pois muitas personalidades que tinham o dever de garantir que os portugueses residentes em Macau podiam ficar sem reservas fizeram mal o seu trabalho. Várias associações que realizavam frequentemente sessões de esclarecimento transmitiam a mensagem que a única opção completamente segura era partir, ir embora. Ironicamente muitos dos dirigentes dessas associacões nunca deram ou pensaram em dar esse passo. Muito boa gente convenceu outros a partir e no entanto vai por aqui ficando, beneficiando em alguns casos do seu estatuto de uma forma ainda mais lucrativa que antes. São os tais camaleões que ainda hoje por aí andam, que deixaram cair a pele verde e vermelha e adquiriram outra apenas vermelha. Para bom entendedor meia palavra basta. O próprio general Rocha Vieira, último governador do território, aconselhava aos portugueses que quisessem ficar que “aprendessem mandarim”, como se não tivesse ficado acordado que o português seria também língua oficial. Muitas figuras conhecidas e respeitadas diziam directa ou indirectamente que “Macau ia acabar”, muito simplesmente, e também ficaram. Chego a pensar que existia alguma mesquinhez que levava alguns que partiam a querer arrastar outros consigo. Aquele sentimento pequeno do “eu não fico e sou melhor que tu, portanto tu tens que ir também”. Quando se perguntava ao futuro Chefe do Executivo, Edmund Ho, se “os portugueses podiam ficar”, este reiterava que “sim, porque não?”, e até se mostrava surpreendido com a pergunta. Nunca existiu nenhuma orientação vinda de Pequim ou de lado nenhum de que era preciso “correr com os portugueses”. Se alguns dirigentes deram isto a entender, estavam a falar apenas por si, e estavam equivocados, naturalmente. Quem os levou a sério foi ingénuo.
Macau deu para tudo durante estes últimos anos em que se expremia o último sumo da laranja-mandarina. Em 1998 o Governo de Portugal, sempre com os seus tiques despesistas de novo-rico que na realidade é pobre, anunciou que os funcionários da administração que não tinham sido abrangidos pela anterior integração iam beneficiar de outra, criada especialmente para que “ninguém ficasse prejudicado”. Esta nova integração prometia um lugar garantido numa repartição pública de um concelho de Portugal à escolha. Isto deu origem a uma epidemia de “pára-quedistas”, de familiares, amigos e filhos dos amigos que chegaram ao território e “trabalharam” alguns meses na administração para depois garantir uma colocação na imensa e de outro jeito impenetrável máquina administrativa portuguesa. Este “doce” contribuíu para que muitos que ainda tinham dúvidas optassem mesmo pelo regresso a Portugal. Até aqueles que, como no meu caso, pertenciam já aos quadros da administração local. Muitos arrependeram-se e mais tarde regressaram ao território, chegando mesmo a abandonar o tal lugar em Portugal generosamente criado para eles. Olhando para trás, chego a pensar que esta foi uma medida improvisada para “despachar” do território o maior número possível de portugueses, e evitar atritos com a futura administração, que desejaria “pôr lá os seus”. Este é um dos nossos defeitos: pensamos sempre que a nossa tacanhez é universal e contagiosa.
Depois da transferência não se confirmaram as previsões mais agoirentas. A administração mudou, mas ninguém foi corrido, nem se tornou obrigatório saber falar cantonense, quanto mais o Mandarim do General. As primeiras mudanças nem chegaram a assustar; alteraram-se uns símbolos, foram extintos alguns departamentos com funções ligadas à preparação da transição, e que deixaram de fazer sentido, o Leal Senado mudou de nome. Todos os funcionários destes departamentos, gabinetes e institutos extintos foram integrados noutros, e ninguém ficou à míngua. A língua chinesa passou a constar dos documentos oficiais antes da portuguesa, um detalhe que foi até visto, até pelos chineses, como “desnecessário”. Alguns carimbos, selos e requerimentos tornaram-se obsoletos e foram substituídos por outros em que a língua chinesa aparecia em primeiro lugar. Um “investimento” que tem mais de despesismo e que nem chega a ser uma manifestação de soberania, de tão fútil que é. Alguns patriotas da nossa praça bateram o peito à China e à nova ordem, e um certo senhor que todos conhecemos bem chegou mesmo a congratular-se com o fim da “humilhação” que foi a presença de uma potência estrangeira em território chinês. Sabem bem de quem falo, é um dos camaleões que referi acima. A verdade é que foram afirmações tão inócuas que o vento varreu, sairam pelo ouvido oposto ao que entraram, e provocaram apenas um leve encolher de ombros.
Macau e os seus cidadãos, sejam eles de origem chinesa, macaenses ou portugueses, têm 13 anos depois todos os seus direitos intactos, e quem sabe se melhorados. Hoje temos uma administração muito mais generosa do que a anterior alguma vez foi, que chega a “dar” dinheiro à população, mesmo que para alguma inteligenzia isto seja uma forma rasteira de fazer política e de tapar o sol dos problemas com a peneira do dinheiro. É claro que a RAEM tem defeitos, afinal só tem 13 aninhos, e ainda não atingiu a maturidade ideal. Lembram-se de quando tinham 13 anos? Aposto que eram bastante tótós e faziam muita asneira. Cabe-nos a nós, o que agora aqui estão, os que aqui nasceram e nunca partiram, os que não sendo daqui naturais mas quiseram ficar, os que voltaram ou os que só agora chegaram, arregaçar as mangas e dar o nosso melhor neste 14º ano de RAEM que hoje se inicia. Olhando em nosso redor desta nossa casa tão pequenina vemos gente com problemas sérios, mas a que somos alheios, felizmente. Somos uns sortudos em estar deste lado e beneficiar de tudo o que este território nos dá, apesar dos defeitos. Há coisas que precisam de ser melhoradas, temos a inflação, a especulação imobiliária, distribuição desigual da riqueza, mas sabem o que mais? Podemos queixar-nos de tudo isso e muito mais, fazer ouvir a nossa voz. Mas só nos podemos queixar de nós próprios se não dermos o nosso melhor. Vamos a isto, portanto, mas hoje ajudemos a nossa menina a apagar as velas. Parabéns, RAEM!
Mas há alguma razão para dar os parabéns à RAEM? Com a saúde como está? Os preços da habitação? Gostava de dizer mais coisas, mas tenho medo que o MP me entre pela casa dentro...
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