domingo, 2 de dezembro de 2012
Dente solto
O ex-líder da seita 14 quilates (14K), Wan Kwok Koi, mais conhecido por Pan Nga Koi (ou dente partido), saíu ontem em liberdade depois de cumprir uma pena de 13 anos e 10 meses de prisão por tentativa de homicídio e associação criminosa. Ou qualquer coisa do tipo. O Dente – chamemos-lhe assim para simplificar – foi detido em 1998 depois de um período de terror em Macau em que praticamente todos os dias haviam tiroteios ou eram cometidos assassinatos selectivos. Ufa, aquilo era um tempo complicado para se sair de casa sem levar um tiro. Um belo dia, o director da Polícia Judiciária, um tal Marques Baptista, foi fazer jogging no circuito da Guia. Coisa provavelmente rara, dada a moldura bastante larga do sr. Baptista. Um cão-polícia alertou para uma bomba plantada no carro do director, e o resto já se sabe. No mesmo dia o alegado líder da seita que controlava o jogo em Macau foi detido num restaurante do Hotel Lisboa, e para quem era ignorante dos meandros destas coisas da máfia macaense – como era eu próprio – o “dente partido” passou a ser uma referência na imprensa e na opinião pública.
No ano seguinte, poucos meses antes da transferência de soberania, o Dente foi julgado em dois meses por um juíz encomendado especialmente de Portugal e condenado a mais de uma década “à sombra”. Houve quem tivesse entendido isto como uma “limpeza da casa” antes de a entregar para os novos senhorios. É um facto que este Dente não era nenhum santo; produziu um filme sobre ele próprio que levou a que as autoridades fechassem o acesso à ponte Nobre de Carvalho durante várias horas durante as filmagens, ostentava jóias e carros caros, sem o mínimo de pudor. Contudo a forma com que se manipulou o elemento da prova gerou discussão entre os operadores do direito em Macau.
Os primeiros tempos da RAEM foram bastante tranquilos, e as seitas andavam com a crista baixa. O próprio responsável pelos Serviços de Polícia Unitários (SPU), o comandante José Proença Branco, afirmava com orgulho que as seitas “já não operavam em plena luz do dia”. Era mais um tipo de problema encontrado por quem não ia para a caminha cedo. O único sobressalto deu-se com o rapto do advogado Jorge Neto Valente, em 2001, no entanto rapidamente resolvido pelo Grupo de Operações Especiais (GOES), que matou os maus e salvou o herói.
Chegou a atribuição de licenças de jogo a concessionárias estrangeiras em 2004, o fim do monopólio da STDM (entretanto rebaptizada SJM) e foi aquilo que se sabe: receitas espectaculares à prova de qualquer crise, e apesar de continuar a existir agiotagem e outro tipo de criminalidade relacionada com os casinos, nunca mais se falou de seitas. Até ontem! Semanas antes da saída do Dente entrou-se numa contagem descrescente até ao juízo final. Dias antes da sua libertação foi detido o seu nº 2, braço direito, chamem-lhe o que quiserem, Arturo Calderon, considerado o cérebro das operações do Dente durante os dias dourados da máfia macaense. Detido aliás em circunstâncias estranhas, que levam a duvidar da versão da “coincidência”. O homem andou em liberdade durante três anos sem que ninguém desse por nada, e subitamente teve uma recaída e foram encontradas armas na sua casa, e foi indiciado como suspeito de um homicídio encomendado.
A saída de Dente da cadeia deixou as autoridades borradas de medo. É difícil perceber porquê, uma vez que o senhor passou quase década e meia atrás das grades, e estará completamente alheado da nova realidade do território. Eu até digo na brincadeira que quando ele visitar o Venetian ou o Wynn vai ficar de boca aberta. Ou será mesmo assim? Terá este Dente mantido uma ligação com os meandros do jogo? Estará actualizado? Terão as autoridadades acesso a inteligência que dê o Dente como um elemente potencialmente perigoso? Será isto apenas excesso de zelo? A resposta será dada em breve. Não percam os próximos capítulos.
Também eu vou ficar de boca aberta quando vir o Venetian ou o Wynn, amigo. Saí da Cidade do Nome de Deus de Macau e voltarei para a Região Admnistrativa e Especial de Macau. A mesma cidade, duas essências, uma que já não volta mais (infelizmente) porque foi substituída por outra.
ResponderEliminarAs seitas agora andam de crista baixa? Ainda sou do tempo em que conhecia chavalos que estudaram comigo no liceu e que diziam de boca cheia e aos quatro cantos que seguiam o 14...