domingo, 30 de dezembro de 2012
À nossa!
Quando soa a meia noite
Começo a capotar
Há um monstro dentro de mim
Que eu procuro envenenar
Rezo a baco uma oração
Sinto o fígado a explodir
Em cada gole uma opção
Um desejo de virar
GNR, Piloto Automático
A época festiva é sempre uma boa desculpa para se beber uns copos. Mesmo os mais disciplinados “perdem a cabeça” e entregam-se aos inebriantes prazeres do álcool, a droga social, a mais tolerada, e que nestes dias se torna quase num bem de primeira necessidade. Qual é a festa a sério que se faz sem bebidas alcoólicas? E quando digo “festa” não me estou a referir a jardins de infância ou seitas religiosas esquisitas que encorajam a abstinência. Estas não são “festas” dignas desse nome. Falo de festa rija; de amor, loucura e excesso. De consequências imprevisíveis e ressacas no dia seguinte, acompanhadas de sentimentos de culpa e até alguma dose de arrependimento por qualquer coisa que se fez ou disse. O álcool é desinibidor e tem o condão de “soltar a língua”.
Tenho uma relação boa com a bebida. Orgulho-me de ser bastante tolerante, e tenho a sorte de ser um bêbado alegre. Faz-me confusão como algumas pessoas ficam alteradas e agressivas quando bebem demasiado. Quando me sinto inebriado e desprovido do equilíbrio que garante que me mantenha de pé com toda a segurança, a única coisa que quero é que me deixem em paz. Mesmo o estágio inicial de euforia é acompanhado de uma placidez tremenda, e vontade de espalhar uma amizade fraternal por quem me rodeia. Tenho um preconceito que terá um fundo do verdade: os ingleses têm tendência para a confrontação física quando bebem. Mesmo que isto seja uma generalização injusta, os episódios são tantos que pelos menos da fama eles não se livram. Se os povos nórdicos até funcionam melhor que nós quando estão sóbrios, os portugueses levam a melhor quando bebem. Somos um povo festivo, e a bebida serve para ajudar à festa.
Apanhei a primeira piela digna desse nome aos 15 anos com whiskey, e mesmo hoje tenho uma relação complicada com esta bebida. Não sei porquê mas o whiskey é a única coisa que me tira do sério, que me transforma num Mr. Hyde, e por isso dispenso o “chá da Escócia”. Gosto de vinho tinto, mas apenas às refeições, em pequenas doses e apenas como acompanhamento, ou no Verão em forma de sangria, que é refrescante e “escorrega” como se fosse água. Evito abusar do tintol, e arriscar-me a ir “chamar o Gregório”, transformando uma inocente jantarada numa feijoada orgânica. Quando se bebe ao ponto de induzir o vómito, significa que se bebeu demais. Consumiu-se um copo ou dois acima do limite, e a deliciosamente inebriante experiência que é a bebedeira ficou arruinada. Não sou adepto das “long-drinks”, dos cocktails ou de bebidas que incluam leite, natas, sumos de fruta ou outros elementos que “trabalham no estômago”. Se é “para a desgraça”, que se dê prioridade ao álcool puro sem muitas misturas.
A minha bebida de eleição, e digo isto com um pouco de vergonha, é o vodka. Vergonha porque a minha escolha recai sobre uma bebida estrangeira e distante, quando podia dar preferência a algo que tIvesse mais a ver com a nossa cultura. Só que infelizmente não sou adepto da aguardante bagaceira, do Brandymel, da amarguinha ou do Licor Beirão. O vodka é uma bebida alcoólica pura, limpinha e directa, que bebo misturada com Red Bull ou sumo de laranja sem polpa, que preservam a sua qualidade, enquanto disfarçam o seu sabor clínico. O vodka garante resultados rápidos, pode ser bebido no frio e no calor, e é de fácil digestão. Uma garrafa da russa Stolichnaya, a minha favorita, fica por cerca de 80 patacas, um preço bastante acessível. Existem vodkas além dos russos que se podem adquirir a preços igualmente convidativos; a sueca Absolut, a britânica Smirnoff ou a Finlandia, que carece de indicação da origem. Os mais esbanjadores poderão optar pela francesa Grey Goose, que custa mais de 200 patacas por garrafa, mas o resultado é o mesmo, e não faz menos mal à saúde. Existem algumas marcas esquisitas, tipo Red Square, White Wolf e outras de origem duvidosa, mas lembre-se da regra dourada: o vodka tem 40º de volume de alcóol. Se não tem exactamente essa graduação, não é vodka.
E a cerveja, esse delicioso néctar com uma história milenar e que não deixa ninguém indiferente? Gosto de cerveja geladinha como qualquer um dos mortais, mas foi um gosto que adquiri apenas aos 16 ou 17 anos, idade do coirato e da bifana. Os meus colegas do liceu bebiam cerveja como veículo de afirmação, e chegavam a “descolar” garrafas de Sagres à revelia dos pais e professores, que consumiam mesmo morna. Não há nada pior que cerveja morna. A cerveja tem que ser bebida geladinha, e de preferência à pressão. Uma das coisas de que tenho saudades em Portugal é das imperiais e dos “finos” bem tirados, especialmente quando o calor aperta. Aprecio o cerimonial das “jolas” com os amigos, mas não considero a cerveja a bebida ideal para que se apanhe uma “buba” decente. Talvez porque as qualidades diuréticas desta bebida impliquem idas frequentes à casa-de-banho, o que se pode revelar um incómodo. Em Macau a chinesa Tsingtao é rainha, preferida de analfabetos e doutores, mas a experiência mais memorável que tenho da cerveja nesta parte do globo foi nas Filipinas. A San Miguel nas Filipinas é mil vezes melhor que a local, produzida em Hong Kong. É a melhor cerveja da Ásia, de longe. Em segundo lugar vem a tailandesa Chang, bem melhor que a sua compatriota Singha, uma desilusão. Quanto à Macao Beer, marca local produzida não se sabe bem onde, não recomendo nem para desentupir sanitas.
Sempre ouvi dizer que “o álcool avilta a saúde mental do homem”, mas isso é apenas um exagero. Existe uma ideia feita de que beber “destrói os neurónios”, as células do cérebro, mas não é bem assim. Nascemos com o mesmo número de neurónios que mantemos durante toda a vida; não os perdemos com facilidade, nem adquirimos novos ou substituímos os que perdemos. Uma bebedeira “de paralizar os neurónios” pode paralizá-los, certo, mas não os destrói. Para que o álcool destrua os preciosos neurónios, são precisos 30 anos de alcoolismo crónico. Uma febre de mais de 40 graus aniquila milhares de neurónios, uma semana de bebedeira não afecta um que seja. Em termos de saúde, é o fígado que mais se ressente do consumo frequente do álcool. O fígado é o nosso “filtro”, um orgão vital, e sem ele um simples gin tónico seria fatal, pois afinal o álcool é tóxico para o organismo, por muito que isto nos custe aceitar. O álcool afecta o fígado da mesma forma que alguns medicamentos, drogas ou uma dieta rica em gorduras saturadas. O segredo para quem gosta de beber e não quer que a cirrose estrague a festa é dar algum descanso à isca. Dois ou três dias de abstinência com água mineral para matar a sede são suficientes para deixar o fígado respirar, regenerar-se e ficar pronto para destilar mais uma carraspana. Uma dieta rica em fibras e os sumos de frutos vermelhos (morangos, amoras, groselha, etc.) também contribuem para amenizar os efeitos da bebida.
No dia seguinte a uma noite de copos, prazer e alegria e todas essas coisas que fazem bem ao espírito, somos acometidos da tal “ressaca”. A ressaca não é mais que o efeito da desidratação provocada pelo consumo do álcool. Basicamente o organismo dispende uma grande parte da água que o compõe na ordem dos 65-70% para “atacar” o álcool e ajudar à sua decomposição e assimilação. Uma forma eficaz de evitar a ressaca é beber água ao mesmo tempo que se consomem bebidas alcooólicas. Tudo bem, é um truque que até pode dar resultado, mas que piada isso tem? Não me apetece nada beber água quando estou concentrado na inebriação dos sentidos. A água sabe mal quando já se vai no quarto ou quinto vodka. Quem é que se lembra de mamar um mortífero “shot” e de seguida beber um copo de água? A ressaca é a consequência natural do cerimonial da bebida, e é uma parte indissociável do processo. Acordar no dia seguinte com dor de cabeça e a boca seca a saber a pecado é a validação da experiência da noite anterior. A decisão sensata é que depois de uma noite de homenagem a Baco se descanse, que se beba água, leite e sumos naturais, e que se dê uma trégua ao organismo antes de o castigar novamente. Ele agradece e garante que a próxima experiência será igualmente gratificante. Quem é mais lingrinhas e não suporta uma ressaca tem à sua disposição na farmácia de uma gama de anti-ácidos para o efeito, cortesia dos russos (quem mais?), bêbados profissionais.
O álcool é um apêndice da nossa civilização com que é preciso saber conviver. Sinto pena dos alcoólicos, pessoas que transformaram o prazer de beber na dependência de uma substância que é suposto ajudar a tornar a vida mais colorida, e não mais cinzenta. A relação que temos com a bebida deve ser a mesma que temos com uma amante divertida e libidinosa que nos ajuda a aguentar a esposa chata e frígida que nos espera em casa. É para nos servir quando precisamos dela, sem o peso da rotina ou do compromisso. É permitido – recomendável até – que usemos e abusemos do milagre da fermentação do açucar durante estas mini-férias natalícias, para que possamos depois enfrentar com mais entusiasmo a “vaca fria”. É sempre bom sabermos que temos a nossa garrafinha à espera no final de mais uma jornada, e depois da sensação de dever cumprido. Já agora brindemos ao novo ano da forma mais tradicional, com champanhe, de preferência da marca Möet & Chandon, acompanhada de moranguinhos para acicatar o sabor da divinal espuma francesa. Um brinde, à nossa!
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