As dores de cabeça de Policarpo.
Já estamos cansados de ouvir falar dos escândalos de pedofilia envolvendo padres católicos, e já não nos causam sequer estranheza. Isto diz-nos muito mais quando os casos se passam entre o clero português, mas o problema é extensivo à Igreja em todo o mundo. Como é sabido a Igreja Católica obriga os seus cléricos a fazer um voto de castidade, e os escândalos cada vez mais numerosos e evidentes são por vezes tratados como sendo “uma crise de vocações”. O recente caso do vice-reitor do seminário menor do Fundão, alegadamente "um bom homem acima de qualquer suspeita" é mais um exemplo que algo vai podre no reino do catolicismo.
Ora bem, em primeiro lugar é preciso deixar claro que nem todos os padres católicos são pedófilos ou manifestam alguma tendência nesse sentido, e alguns, muitos mesmo, cumprirão o tal voto de castidade. Cada caso é um caso, mas o que também parece ser um facto indesmentível é que a vocação parece estar a ser aproveitada como terreno de caça para predadores sexuais e pedófilos inatos.
O problema não é de hoje, e a violação das regras do celibato tem uma história milenar, bem documentada e acompanhada de um extensivo rol de boatos e até anedotas. Os conventos são tão conhecidos pela doçaria como pelo anedotário. Os padres católicos, bispos, frades, monges, freiras e afins não têm nenhuma característica sobrenatural que os torne imunes à tentação da carne, e se alguns não prevaricam ou nunca prevaricaram, isto deve-se à disciplina férrea a que se impuseram, ou à força das suas convicções, da sua fé, aquilo que lhe quiserem chamar. E mesmo estes são muitas vezes vítimas dos restantes, dos mais “frágeis”, para ser simpático.
É complicado discutir este tema com quem é católico e crente. Já o fiz no passado, de forma mais superficial, e fui acusado de “má vontade” contra a Igreja Católica, e de aproveitar algumas notícias para relativizar a importância da Igreja na sociedade, e no papel importante que desempenha na assistência aos mais fracos e tudo isso. Não sendo católico mas tendo crescido num país católico, tive uma educação marcadamente baseada nos princípios cristãos. Portanto compreendo que custe aos devotos duvidar da idoneidade dos intérpretes da sua religião. Mas infelizmente é o que acontece cada vez mais.
A questão que temos que colocar perante estas tristes evidências que são cada vez mais notícia é a seguinte: vale mesmo a pena confiar cegamente em alguém que é uma pessoa igual a nós, dotado exactamente da mesma capacidade de errar e das mesmas fraquezas? Será que ainda há quem acredite que um religioso é mais que nós, que é um “santo” acima de todas as suspeitas, mesmo que desempenhe de forma imaculada as restantes funções sacerdotais? Deverá este crime ser tratado de forma diferente quando envolve o clero? Porque é que alguns pedófilos ficam em prisão domicilária e não preventiva, como os restantes, pelo facto de estarem debaixo da capa da Igreja? E isto perante elementos de prova igualmente válidos?
Não vou advogar aqui o fim do celibato como solução, apesar da pedofilia não constituir um problema tão grave nas restantes religiões cristãs onde é permitido o casamento dos sacerdotes – o que só por si explica muita coisa. O celibato é uma exigência da Igreja Católica, e se é um “problema”, cabe apenas a eles resolvê-lo. Exigir que se acabe com o celibato como panaceia para os desvarios sexuais de padres é uma forma simplista de abordar o problema. Quando se opta por esta vocação já se sabe que esta é uma exigência, e quem não se acha apto para cumpri-la, deve procurar outra profissão, como qualquer cidadão comum. A profissão de sacerdote católico, apesar de não ser uma carreira vista como “normal”, garante uma certa estabilidade financeira. Já alguma vez ouviram falar de um padre pobre e faminto, ou com problemas para pagar as contas?
Acho lamentável que a pedofilia na Igreja – que sempre existiu – seja finalmente pretexto para que se repense a orientação que se deve tomar entre o clero para debelar o problema e reconquistar a confiança dos fiéis. Foram séculos de outros episódios igualmente infelizes, alguns com contornos cómicos, de padres que se encarregavam de popular vilas inteiras, orgias de sacristia, beatas amantizadas de padres, e outros trágicos, de freiras violadas e obrigadas a abortar, outras lésbicas, padres homossexuais, seropositivos, e até toxicodependentes, uma loja dos horrores. Tudo problemas que foram ora dissimulados ou ignorados, a bem do saudável exercício da fé.
O que é preciso é encarar o problema de frente, e trazer a Igreja para junto das restantes instituições da sociedade quando toca a crimes desta natureza. Todos iguais perante a lei, que neste caso deve ser a lei civil. Ninguém deve ficar isento ou beneficiar de atenuantes quando comete exactamente o mesmo tipo de crime. Esta discussão não deve ser exclusiva da Igreja, ou seguir apenas orientações de bispados, conclaves do Vaticano e outros círculos obscuros de onde tantas vezes saem decisões que são muitas vezes acatadas como se fossem elas próprias a palavra divina por excelência. A sociedade civil e laica tem também uma palavra a dizer quanto a crimes públicos que são cometidos contra os seus cidadãos. E acabo com um convicto Ámen!
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