quarta-feira, 23 de março de 2011

O mercado dos demónios imaginários


Queria fazer um pequeno exercício de imaginação com o leitor. Imagine que pelo módico preço de 500 mil patacas podia comprar uma casa com três quatros, sala ampla, duas casas-de-banho, localização central e vizinhança catita. O único senão desta casa de sonho que certamente não se encontra no mercado é que em tempo vivia lá uma família muito feliz, até ao dia em que o pai se passou dos carretos, matou a mulher e as três filhas com um machado, misturou-lhes os pedaços na banheira e depois rebentou com os miolos no meio da sala, cagando as paredes todas de sangue. Depois de uma banheira nova e uma demão de tinta, será que o leitor compraria esta casa?

Foi depois de ler esta notícia do agente da PSP de 26 anos encontrado morto por suicídio com fumo de carvão que me lembrei desta interessante especificidade da cultura chinesa: as casas “limpas”. Muito resumidamente, uma casa “limpa” é uma casa onde não tenha acontecido nada de nefasto, como um suicídio ou um homicídio. Uma casa que não esteja “limpa” está obviamente “suja”, o que significa que está habitada com a alma descontente de um ex-residente.

Para que se perceba bem isto é necessário acreditar em fantasmas, espíritos e outras coisas do sobrenatural. Temos esta ideia de algumas imagens e contos de terror ocidentais, como a casa assombrada, o jardim do enforcado, filmes como “Friday the 13th”, Candyman” ou “Pesadelo em Elm Street” usam conceitos que nos divertem assustando, mas ninguém no seu perfeito juízo acredita em fantasmas ou em almas penadas. O sobrenatural não passa disso mesmo, algo que ultrapassa o natural, que não é real. Diz o povo e com razão: “com os mortos não precisamos de nos preocupar”, ou o meu favorito, “os bonzinhos estão todos no cemitério”.

Para nossa surpresa ou talvez não, a esmagadora maioria dos chineses não compraria nunca uma casa “suja”. Fiz um pequeno inquérito de bolso a familiares, colegas e amigos, e obtive quase de 100% de respostas negativas. Alguns não só não comprariam uma casa “suja”, como venderiam a sua caso suspeitassem de que foi palco de algo de macabro. Segundo a minha mulher, a minha perita em assuntos sínicos, isto “pressente-se”, ou seja, há pessoas que conseguem “pressentir” um espírito dentro de uma casa. Isto tem muito a ver com um número de factores, como o estado do tempo (ir ver uma casa num dia de tempestade não é boa ideia), equilíbrio mental, habilitações literárias, período menstrual, etc, etc. Não sei se existem profissionais deste tipo de coisa, mediums ou clairvoyants que venham atestar a “limpeza” de uma casa, mas se existem, são apenas charlatões. Digo eu.

Ainda segundo a minha mulher, comprar uma casa “não é a mesma coisa que comprar um par de sapatos”. É um investimento grande, não é algo de que se possa dispor facilmente, e os investidores querem que as coisas corram bem, tanto no céu como na terra (é por isso que as casas novas são sempre as mais requisitadas). Além disso, nem toda a gente sabe ou “pressente” este tipo de coisas, e quem sabe quantos crédulos habitam moradias onde se realizaram rituais de adoração a Satanás ou a Kali Ma? Não sei como é no Ocidente, pois nunca liguei muito a este tipo de coisas, mas pessoalmente não me importava de comprar por uma bagatela uma mansão enorme com terraço panorâmico, piscina, ginásio e jardim, mas onde apenas por mero acaso foram decapitados 200 inimigos do Conde Vlad III, o empalador.

Mas para os chineses isto tem mesmo uma importância fundamental. Isto em termos legais afigura-se muito complicado, pois como vivemos num estado de direito e não num estado de "fông-soi", não existe nenhuma lei que obrigue alguém a devolver uma casa "suja". As agências imobiliárias estão conscientes desta diferença, e as casas “sujas” são normalmente mais baratas. E vendem-se bastante bem. Quem as compra não tem intenção de lá habitar, mas sempre pode revender, especular e vender a um tanso qualquer que não acredite nestas superstições da treta, ou a um casal de jovens que não tem dinheiro para comprar uma casa nova, e sujeite-se a viver ali junto com os demónios imaginários.

7 comentários:

  1. Aparecesse-me a casita da imagem por meio milhão a ver se não a comprava já! Os fantasmas só chateiam os chineses, que eles sabem que comigo é mais difícil comunicar.

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  2. Caro Leo,

    Para seu bem e da sua família, mantenha algum respeito, mesmo que não acredite. Se der sem querer um pontapé nos "santuários" dos incensos à porta dos edifícios, peça logo desculpa, mesmo assim não sei se conseguirá deter uma forte dor de estomago ou de barriga...pergunte à sua mulher...já passei por isso, quem avisa...

    Saudações

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  3. Há quem tenha dores se der um pontapé num desses altares porque a isso está predisposto, porque acredita. Se não acreditar, não tem dores nenhumas. Não me peçam para andar aos pontapés para ver o que acontece, que não o faço, mas apenas (precisamente) por respeito, pois não sou nenhum vândalo. Mas daí a ter dores... Então como é que há gente que rouba templos e não lhes acontece nada? Já pensaram nisso?

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  4. "Então como é que há gente que rouba templos e não lhes acontece nada? " ahahahah,BOA PIADA.Então como vão presos depois??Não acontece nada como tu dizes.Eu acredito na justiça divina.Deus castiga os maus mais dia menos dia.

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  5. Então vai acreditando. Só tu é que, pelos vistos, não sabes a quantidade de ladrões e assassinos que andam à solta. E os que estão presos, é graças à justiça dos homens e não da divina. A justiça divina só sabe é matar gente que não fez mal a ninguém. Tu é que me saíste cá uma PIADA...

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  6. " não sabes a quantidade de ladrões e assassinos que andam à solta." Só podes estar a falar de Portugal que é assim.Aqui em Macau não há ladrões e assassinos a solta.

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  7. Se pensas que é só em Portugal, muito pequenino é o teu mundo...

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