Dia de qualquer coisa assim

Amanhã (ou hoje, para quem estiver a ler isto na segunda-feira) é Dia dos Namorados. Primeiro queria desejar um feliz Dia de S. Valentim para quem gosta e celebra. Posto isto, queria expressar o meu desprezo, mais, nojo, por esse dia particular. Nada de pessoal, não sofri de nenhum trauma do Dia dos Namorados na adolescência. Só não gosto desta data porque é um dia cruel e deprimente para muita gente, e está entregue aos vendilhões do Templo, tal é o aproveitamento comercial que se faz. Os espíritos elevam-se, as pessoas tornam-se subitamente românticas, fala-se de amor, uma paneleirice pegada.

Para os parâmetros locais, um Dia dos Namorados em Macau considerado decente nunca fica por menos de duas mil patacas para um jovem namorado. Este tem que comprar à miúda flores de 500 patacas, uma prenda de valor acima de 500 patacas, um jantar num local "romântico", leia-se caro. E como tudo é caro neste dia. Chega-se ao ridículo de se vender uma rosa com uma fitinha qualquer por 100 paus, e algumas floristas "só têm" flores para o Dia dos Namorados desde meados de Janeiro. Ai queres amorzinho? Então paga. As feministas e outras lésbicas deviam insurgir-se contra o Dia de S. Valentim: é machista e trata as mulheres como objectos - é assim ou não é?

Não que o dia de S. Valentim tenha propriamente muito a ver com a cultura chinesa, mas assim como o Natal, o Halloween e outras pândegas ocidentais (há chineses que celebram o Oktoberfest), o Dia de S. Valentim pegou, é "giro", é moda. Quem gosta da atenção são normalmente as mulheres. Não há um único dia, tirando talvez o Dia do Pai, em que não sejam as mulheres ou as crianças a dar despesa. O aproveitamento comercial deste dia é um insulto aos pobres. Então os pobrezinhos não têm direito ao amor?

Quando digo que o Dia dos Namorados é deprimente para muita gente, refiro-me obviamente às pessoas que estão por convicção ou por natureza sós. É um dia especialmente complicado para os feios, os obesos, as pessoas com problemas de socialização, os suicidas, os reclusos, os acamados, os soldados no Iraque e no Afeganistão, a lista nunca mais termina. O que dizer de pessoas que se casaram no Dia dos Namorados e depois divorciaram-se, acabando a relação num clima de ódio?

Alguns solitários mais endinheirados mandam flores a eles mesmos, e fazem para que cheguem de preferência num local cheio dos seus amigos ou colegas. Outros mais sonhadores mandam flores "anónimas" à sua amada, o tal amor platónico, uma parvoíce que ouvi dizer que causa cancro e tudo. Se alguém mandasse flores anónimas a uma chavala gira que eu gostasse, dizia-lhe que tinha sido eu, convidava-a para jantar e se calhar marcava eu o golo. O tal de "amor" não se compadece com timidez ou com joguinhos. É directo à cueca.

Será mesmo assim? Bem, algumas pessoas aproveitam esta data para fazer qualquer coisa que estiveram a adiar durante os anteriores 364 dias do ano civil. Alguns declaram-se à miúda que amam, e os que não levam tampa ficam com uma data mais fácil de decorar - e ainda poupam numa prenda. Os que já namoram mas ainda não se expressaram fisicamente têm o campo mais aberto para dar esse passo no Dia de S. Valentim. A iniciativa terá que partir dos homens, naturalmente, e aqui fica uma pick-up line gira para quebrar o gelo: "E se fossemos festejar o S. Valentim com foguetes?" ou "A tradição manda-me quebrar o teu hímen". Depois não digam que não vos dou nada.

Feliz Dia de S. Valentim!

(Tansos...)