Os velhos da selva de pedra

Todas as manhãs no Largo do Senado assiste-se a este espectáculo triste. Pelas sete da madrugada um grupo de velhos (que chegam a ser mais de uma centena) juntam-se debaixo da arcada dos Serviços de Turismo para receber duas folhas de um jornal gratuito miserável que começa a ser distribuído depois das 8. O jornal não interessa ao Menino Jesus – daí ser gratuito – mas mesmo assim os idosos ficam ali de pé à espera, ao calor ou ao frio, para receber o jornal. Um turista que passe por ali deve pensar tratar-se de alguma reencenação dos racionamentos do tempo da II Guerra, e que Macau é uma “cidade cultural”.

O mês passado morreu uma idosa aqui perto de casa. Foi em frente ao 7-11 perto do McDonald’s. A senhora ia a atravessar a rua, caíu sem que ninguém tivesse dado por nada, e poucos minutos depois um senhor de uma loja de massas ali perto verificou o ocorrido, cobriu a idosa com um pedaço de papelão e chamou uma ambulância. Diria que a senhora teria entre os 75 e 80 anos, e vestia-se com indumentária chinesa tradicional. Não aparentava ser pobre ou doente, pelo que provavelmente terá sido acometida de qualquer problema típico dos velhos. A propósito, passavam poucos minutos das nove da manhã.

Perdoem a minha ingenuidade, mas sempre pensei que ser velho e não precisar de fazer nada implicava dormir até horas indecentes e evitar andar na rua durante a azáfama daqueles que trabalham. É uma tristeza ver os velhos às portas dos centros de dia do seu bairro uma hora antes de abrir, e a ficar ali a contemplar o infinito, como se frequentar um tipo de asilo misturado com “daycare centre” fosse a única coisa que existe para fazer na vida.

Não que eu tenha alguma coisa contra os nossos idosos ou não lhes reconheça os mesmos direitos que eu tenho (como o de usar a via pública, por exemplo, que eles teimam em demonstrar que é toda sua), mas porque é que não tentam inspirar outro tipo de sentimento que não a pena? Porque que é que não procuram outras formas de entretenimento, como a internet? E que tal uns bares, uns copos, uns bailaricos, encontros com outros idosos que vão conhecendo no Facebook, coisas assim descompretidas e joviais? Porque não vão fazer umas noitadas e acordar no outro dia ao meio-dia com a boca a saber a luxúria e pecado? O fim não precisa de ser a parte mais chata e comprida da vida: devia ser a melhor, como nos filmes.

Mas façam o que fizerem, vejam lá se deixam de andar aí sozinhos pela rua de manhã cedo, a arriscarem-se a cair, a ser derrubados, atropelados, burlados, assaltados, ou simplesmente a cairem de lado mortos no meio do chão. E já agora não precisam de ficar chateados comigo quando vos peço (sempre “faz favor”) para sairem de frente quando se vão a arrastar pelo passeio. É que não tenho tempo para seguir o cortejo dos moribundos.