quinta-feira, 21 de outubro de 2010
Deficientes eficientes
Estava hoje a almoçar com uns colegas, quando uma jovem que se juntou a nós há pouco tempo notou eu era canhoto. Achou curioso, e disse-me que o seu filho pequeno “era também canhoto”, apesar de tanto ela como o marido serem “normais”. Expliquei-lhe que os canhotos eram também “normais”, e que a palavra que ela estava à procura era “destro”. Tanto ela como o marido são “destros”. Depois deste incidente que nada tem a ver com o que vou aqui escrever hoje, lembrei-me de falar dos deficientes.
Pouco se fala dos deficientes em Macau. Primeiro porque ainda é uma tema tabu: muitos dos pais ainda escondem os filhos deficientes. Segundo porque existe uma carga de “respeito” que substitui aquilo que realmente faz mais falta: um pouco de humanismo. A própria palavra “deficiente” é vista como um termo amplo e derrogatório, mas que mesmo assim evoluíu dos termos trogloditas “anormal” ou “enjeitado”. Tentando ser politicamente correcto, o termo mais correcto é “cidadão inadaptado” ou “criança com necessidades especiais”, mas a palavra que nos vem à cabeça quando ouvimos estas definições mais técnicas é “deficiente”.
Praticamente toda a gente se sente pouco à vontade na presença de um deficiente. Quando se trata de um deficiente mental, muitos não conseguem evitar olhar com um ar de comiseração, de peninha, de “coitada da família”, como se esta tivesse sido castigada por alguma das pragas do Egipto. Outros armam-se em grandes paladinos da caridadezinha e tratam descaradamente os deficientes como se fossem algumas criaturas inferiores, ajudando-os mesmo quando não precisam, ou mandando parar toda a gente para deixar passar o primeiro o gajo na cadeira de rodas. Às vezes penso que os deficientes passavam bem sem este tipo de atenção. Se andam sozinhos na rua é porque provavelmente são responsáveis e sabem o que fazem. “Mas ó Leocardo, estás a dizer que não se deve ajudar um deficiente em dificuldades?”, pensará agora o leitor mais básico. E que tal ajudar toda a gente que se encontra em dificuldades, independente de ser ou não um deficiente?
Ser deficiente não deve ter mesmo piada nenhuma, uma vez que o mundo os isola, os descrimina, trata-os como se fossem animais de estimação. Irrita-me quando ouço pessoas dizer que fulano deficiente “é inteligente”, como se estivesse a falar de um cão. Em Macau os deficientes são vetados ao abandono e condenados à institucionalização para o resto das suas vidas. Alguns pais que têm filhos que sofrem de deficiência mental profunda desistem à partida, caem na conformidade e confiam a insignificante vida da criança às instituições governamentais. As instituições passam por problemas relacionados com a indiferença generalizada que existe. Temos técnicos bons, mas poucos, e instituições modernas e mais ou menos bem equipadas, mas que não chegam para satisfazer todas as necessidades.
A cultura, o fong soi ou qualquer outra porra fazem com que se considere aziago exibir ou deixar saber que existe um deficiente na família. Existe um esforço heróico por parte dos familiares de crianças autistas para disfarçar o problema de modo a que os jovens sigam o ensino regular e possam mais tarde ter uma vida “normal”, pois a opção pelo ensino especial leva a um beco sem saída. Os únicos incentivos que existem para que se empreguem cidadãos portadores de deficiência são da iniciativa do Governo, e passam por oferecer dinheiro a empresas que o façam. Ou seja, estão a “comprar” o emprego para o deficiente.
A indiferença, o silêncio e a indiferença (outra vez, porque é mesmo muita) são atrozes, e por alguma razão vejo mais peditórios para ajudar os deficientes auditivos do que ao resto dos deficientes. Não existem acessibilidades condignas, os autocarros não têm capacidade para transportar deficientes motores, e nem o Consulado Geral de Portugal se lembrou da rampa de acesso (entram pelas traseiras?) Mesmo na imprensa a maioria de notícias sobre deficientes realça o esforço das instituições, a bondade dos beneméritos e dos voluntários, mas pouco ou nada se sabe do que pensam os deficientes, do que sentem, o que querem.
Os irmãos Farrely, Bob e Peter, são dois realizadores norte-americanos conhecidos por algumas comédias tão hilariantes como chocantes (“There’s Something About Mary”, “Shallow Hal”), e pelo seu trabalho com deficientes, alguns deles portadores de deficiência mental profunda. Os irmãos Farrelly usam os deficientes em alguns dos seus filmes (incluíndo anões e albinos), e sujeitam-nos a todo o tipo de situações, algumas delas consideradas “humilhantes”. Mas humilhantes porquê? Um deficiente não pode ter piada? Não poderá compensar a sua deficiência com algum tipo de talento, sem que ninguém seja obrigado a gostar ou achar graça? Porque é que as anedotas sobre deficientes são consideradas "humor negro"? Até aposto que a maioria das pessoas que gosta de Andrea Bocelli tem em conta o factor “coitadinho do ceguinho”.
Os deficientes precisam de ser integrados na sociedade e não deve ser apenas por misericórdia ou por favor. Era preciso fazer deles parte activa desta mesma sociedade, explorando as suas capacidades, exigindo deles níveis de excelência e dando-lhes um puxão de orelhas quando fosse preciso. Certamente que eles agradeceriam mais tornando-se membros úteis e funcionais da sociedade - com as vantagens e desvantagens inerentes - do que serem tratados como um erro da natureza. Acho que eles até iam gostar.
A palavra deficiente é muito relativa,há tanta gente "normal" deficiciente,doente mental etc.
ResponderEliminarE o anónimo das 17:11 sofre de quê? É gago?
ResponderEliminarBem apanhado, o ultimo comentário!
ResponderEliminarExcelente post!
ResponderEliminarHouve alguns esforços para abater barreiras arquitectónicas, tanto em Macau como em Portugal, mas esbarram no querer dos que mandam realmente - os senhores do dinheiro.
Em Macau, cerca de 1996, ainda se conseguiu fazer um "corredor para cegos", copiado de Taiwan, constituído por uma corredor de piso diferente no passeio, a terminar junto a passadeiras com semáforos sonoros. Liga uma associação de cegos às "Torres ABC" no Tamagnini Barbosa.
Quanto às ajudas, aguardem que as solicitem, pois alguns desses cidadãos querem agir de modo a minimizar e ultrapassar a sua deficiência.
Anónimo das 18:48 enfiaste a carrapuça,foi?
ResponderEliminarEh pá, lá vem este com a "carrapuça"! Não é gago, é analfabeto. Já lhe expliquei que é "carapuça", mas não aprende.
ResponderEliminarAnónimo das 18:48 enfiaste a carapuça,foi?
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