Uma grande "saunalhada"

Teve ontem início o julgamento do ex-presidente do IDM, Manuel Silvério, indiciado de um crime de abuso de poder relacionado com a contratação de uma massagista, e denunciada no CCAC. Confesso que tive sérias dúvidas sobre se devia abordar este assunto, uma vez que me faz sentir, sim até a mim, ultrajado. Um julgamento manifestamente infeliz para todas as partes envolvidas, e surpreende-me como há pessoas que se dão a este tipo de espectáculo. Não vou entrar em detalhes sórdidos, basta ler o que a imprensa escreveu hoje, no Hoje Macau (não disponível), no Ponto Final e no JTM, cada artigo melhor que o outro. Achei assaz desagradável a forma como se viola o direito à privacidade do ex-presidente do IDM, e choca-me que se façam referências pouco abonatórias a pessoas já falecidas, que não estão mais entre nós para confirmar ou negar. E finalmente existem muitas peças deste puzzle que não encaixam.

Em primeiro lugar a questão da "sauna". Para quem não vive em Macau, talvez ache estranha a apetência da população local para a sauna, sendo Macau uma cidade bastante quente e húmida. Mas na realidade em Macau uma "sauna" está conotado com um local onde se dão massagens, banhos, e alívio sexual. É um local onde chega mesmo a acontecer, pasme-se, "infidelidade conjugal". Aliás creio que saunas propriamente ditas, do estilo finlandês, existem em apenas em ginásios, spas e hotéis de luxo, e não creio que ofereçam muitos outros tipos de serviços. Referir factos relativos a quem foi à "sauna", ou quem se conheceu na "sauna", ou quantas vezes fulano vai à "sauna", parece-me mais material relacionado com um divórcio do que propriamente com um alegado crime de abuso de poder.

A questão das habilitações da menina parecem-me um caso de procedimento administrativo errático. Não interessa se a senhora é uma grande profissional, se não apresenta habilitações que justifiquem auferir um vencimento de técnico-superior, não deve exercer essas funções. É verdade que há pessoas excelsas naquilo que fazem, e não precisam de universidade para prová-lo, mas e quem se dá ao trabalho de ir e provar o que sabe? Não merece uma oportunidade? Existe aqui uma espécie de pensamento confucionista em tudo isto: primeiro a família, depois os amigos, e finalmente os outros. E quem não tem amigos e família na quadratura? Que "ninguém se tenha queixado" do serviço da massagista, parece-me irrelevante. Tratava-se de massagens, e não transplante de orgãos, ou sequer qualquer tipo de terapia desportiva séria.

Depois sugeriu-se que quem afinal recomendou a massagista ao IDM foi Cheong Vai Kei, ex-deputado, entretanto já falecido. Esta figura do desporto de Macau, que já não se encontra entre nós, não pode confirmar ou negar que conheceu a massagista Pun, que trabalha numa das tais "saunas", e "recomendou-a pelos seus serviços". Se eu fosse um familiar do sr. Cheong Vai Kei sentia-me incomodado com esta referência, que mesmo a ser verdadeira, era completamente escusada. Pode ser que até faça sentido na estratégia da defesa, mas aqui não falo de advocacia, falo de decência. Que sigam pessoas para ver se vão à "sauna" é também bastante assustador. E que lei me impede de ir a uma "sauna"?

Quanto ao resto, tivemos uma contradição de uma das testemunhas que deixou o arguido furioso, e ainda depoimentos dos actuais dirigentes do IDM a dizer que "não é normal mas não é ilegal", e reiterando que "ninguém se queixou". Uma persistência na legalidade e na necessidade da contratação da massagista que me fazem pensar que as peças no puzzle não encaixam. Quem é, afinal, a massagista Pun? O julgamento prosseguiu hoje, e comprometo-me a segui-lo pela imprensa. Não que o recomende, pois adivinham-se mais divulgação de revelações deste calibre, e de mais lavagem de roupa suja. É pena.