Indústria

1) Fui hoje pela hora de almoço aos serviços de imigração para renovar a licença de permanência da minha empregada. Foi uma experiência muito interessante, pois tive oportunidade de conhecer uma miúda bem gira e inteligente, também. Enquanto esperava que chamassem o meu número, simpatizei com uma menina que ia ser testemunha de um casal num processo de reconhecimento de casamento no estrangeiro. Disse-me que nasceu e viveu sempre em Hong Kong, e mudou-se para Macau há oito meses. Tem cartão e residente permanente graças aos pais, que são naturais de Macau. Quando lhe perguntei o que fazia, disse-me que “trabalhava com aquelas pessoas que são crescidas mas na cabeça ainda são crianças”. Depois de decifrar o eufemismo, percebi que trabalhava com deficientes, neste caso num centro no T’oi San. Quando lhe perguntei se gostava de Macau, disse-me que “é mais sossegado”, mas a principal razão porque se mudou foi para ajudar o irmão a tomar conta de uma menina bebé, portanto a sua sobrinha. Mas, aí está, acha que Macau “é mais sossegado”, e que aprecia “os monumentos” e os “espaços verdes”. Opinião surpreendente de alguém que sempre viveu numa grande cidade que oferece mais qualidade de vida que Macau. Não fiquei com o seu nome, telefone ou qualquer coisa que se pareça, mas foi uma forma interessante de passar o tempo, na chatice da imigração.

2) Enquanto fazia tempo até à hora que a empregada chegasse, fui dar uma volta pelo velhinho Jai-Alai, completamente desfigurado, uma autêntica sombra do que já foi. É certo que era hora de almoço, mas o sítio parecia mesmo caidinho, abandonado, entregue à bicharada. Aquele templo tailandês ali próximo parece ter sido bombardeado, com elefantes arrancados do cho, e altares cheios de pó. Uma prova acabada do estado lastimável a que chegou o Centro Internacional de Macau, cada vez mais parecido com a Chunking Mansion em Hong Kong, mas sem a cor, a vida e a alegria. No Jai-Alai propriamente dito, chamou-me a atenção a quantidade de shows de putaria que ali são exibidos. Pode-se dizer que fiquei de boca aberta, tal era o deboche ali apresentado. Romenas, russas, mongóis, brasileiras, um pouco para todos os gostos, com preferência para os que gostam de louras, espalhadas em posters onde as partes púdicas eram tapadas com recortes de estrelas de prata (!). Ri-me quando vi uma sauna que oferece “serviço completo” por 1218 patacas (se tiverem tempo, dêm uma olhadela), e aparentemente há também uma casa de “patos”, do chinês ngap, nome dado aos prostitutos masculinos. Conheci no outro dia um brasileiro que trabalha num desses clubes nocturnos e disse-me que “dança e faz sexo com as clientes”, chegando, e passo a citar “a fazer três por dia”. Mas o ambiente é deveras assustador, e o local é mal frequentado. No final da tarde voltei do NAPE para casa a pé, já começava a escurecer, e por acaso passei em frente ao Hotel Lisboa, onde fiquei boquiaberto pela segunda vez neste dia. Os tradicionais condutores de triciclo, que cada vez menos encontram turistas para levar a passear por Macau, oferecem viagens às saunas do território. E para mostrar que eles “really mean business”, até penduram as fotografias das meninas semi-nuas na parte da frente do triciclo. Aquilo nem é preciso saber falar chinês: é só apontar para a menina pretendida, e o “triciclista” leva-o até ela. O que diria o deputado Paul Chan Wai Chi se passasse por ali? É triste, quando a putaria e o jogo são as duas verdadeiras indústrias em Macau.