quarta-feira, 13 de janeiro de 2010
Os inimigos da verdade
A procura da verdade é uma ambição do ser humano desde os tempos mais remotos. Desde sempre. O pior é que verdade nem sempre convém, e muitas vezes dissipa-se no oceano da mentira, da falsidade, do boato, da intriga, do fanatismo, dos processos judiciais e do “direito ao bom nome”. Não admira que exista uma expressão “a verdade, doa a quem doer”. Porque muitas vezes a verdade dói, e é preciso recorrer ao analgésico da não-verdade. São três, os maiores inimigos da verdade: os mentirosos, os falsos e os indiferentes. Com tantos inimigos assim, não surpreende que a verdade tenha medo de sair de casa, ou quando sai seja atacada, mesmo que use capacete ou outro tipo de protecção.
Os mentirosos usam a lei, o tempo e a justiça para esconder a verdade. Os mentirosos não gostam da verdade, porque a verdade não lhes interessa. Os mentirosos são a favor dos valores familiares, mas frequentam prostíbulos e outros antros de vício. Os mentirosos são contra o aborto, mas forçaram a amante a fazer um. Os mentirosos são contra a legalização da cannabis, mas fumam às escondidas. Os mentirosos falam de transparência e legalidade, mas dissipam os bens em contas offshore e em sociedades anónimas de carácter duvidoso. Os mentirosos falam de competição justa, mas arranjam empregos para os familiares e amigos próximos, sem concurso ou entrevista. Os mentirosos são figuras públicas que exigem privacidade, sem se aperceberem que a venderam no momento em que se tornaram conhecidos do grande público.
Os falsos são a espécie que gosta de maquilhar, de transvestir a verdade. Uma das principais características dos falsos é a hipocrisia, que aliada ao fingimento tornam-se armas letais contra a verdade. Os falsos abraçam um “amigo” e mais tarde referem-se a ele como “aquele filho da puta”, quando estão rodeados de outros falsos. Os falsos consolam um amigo a quem aconteceu uma tragédia, e pensam que o mesmo nunca vai acontecer com ele, porque é “vivaço”. A frase preferida do falso é “antes ele que eu”. Os falsos dizem “coitado” com ar de desdém, e lá no fundo congratulam-se com a desgraça dos outros. Os falsos não gostam de falar de negócios ou dinheiro a não ser com outros falsos, pois têm sempre algo a esconder. Os falsos conseguem disfarçar-se facilmente de mentirosos quando usam chavões como “para ser sincero” ou “sabes que sou muito teu amigo”. Entre os falsos encontramos muitas vezes os invejosos, que não sendo propriamente inimigos da verdade, estão sempre dispostos a aprender.
Claro que existem boas pessoas. São os cidadãos anónimos, trabalhadores, que acabam o dia cansados da rotina e não têm energia para maquinar planos diabólicos ou montar cabalas contra os outros. Entre estes encontramos os indiferentes, a espécie que se cansou de procurar a verdade, que desistiu da luta e abandonou os companheiros às mãos do inimigo. Os indiferentes tornaram-se cínicos da verdade. Não os incomoda mais ver um amigo a ser “tramado” pelos falsos e mentirosos, e até tiram ilações do exemplo. Os indiferentes aconselham os outros a desistir da procura da verdade A frase preferida dos indiferentes é “e o que é que queres que eu te faça?”. Os indiferentes já não se incomodam quando vêm imagens de fome e violência. Os indiferentes têm um tique: encolhem os ombros. Enfim, os mentirosos, falsos e indiferentes somos todos nós e não é ninguém. Essa é que é a verdade.
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