domingo, 15 de novembro de 2009
Fazem muito bem
Macau é uma cidade dependente do jogo. As esmagadora fatia das receitas vem do jogo, e a restante fatia parte de iniciativas que nunca seriam possíveis sem o dinheiro do jogo. Daí que é seguro dizer-se que Macau existe por causa do jogo, e sem o jogo deixaria de existir. É claro que existe uma parte da população que não se envolve no mercado do jogo, mas todos têm um familiar ou conhecido empregado na indústria (só na minha família tenho 3).
Os turistas que visitam Macau por causa do seu passado histórico nunca serviriam para alimentar a indústria do Turismo, e depois de um dia a fotografar monumentos e igrejas, o único entretenimento digno desse nome passa exactamente pelos casinos. Os espectáculos, quando fogem à iniciativa do Instituto Cultural, são única e exclusivamente da responsabilidade das concessionárias de jogo, e até a variante de congressos (uma chatice, por sinal) e das exposições ganhou um novo fôlego com a chegada dos novos e amplos espaços do COTAI e afins.
A diversificação da economia é uma utopia, e até agora a única ideia que me ocorre é a de transformar a ilha de Coloane numa gigantesca produção agrícola de origem biológica (material biológico não falta). No próximo fim-de-semana realiza-se o Grande Prémio de Macau, um evento que apesar de incomodar quem não gosta de corridas de automóveis faz o território parecer-se ligeiramente com Monte Carlo. Isto é, quando no chove. No resto do ano parece-se um pouco com uma versão chinesa de Las Vegas, onde faltam os rancheiros texanos, a máfia italiana e as festas de despedida de solteiro. Também estamos um bocadinho longe do México e não há deserto.
O conceito de “faça férias cá dentro” também fica um pouco aquém das expectativas. A maioria da população da classe média e alta faz férias fora de Macau, e quem fica só o faz para “descansar”, ou em outras palavras, fica em casa a dormir e a olhar para o tecto. É uma pena ouvir os colegas e amigos a voltar de Tóquio, Seul, Bangkok, Singapura, Kuala Lumpur e até Hong Kong e falar de tudo o que ciram, comeram, experimentaram, e não há em Macau. A única coisa de original que Macau tem para oferecer é provavelmente aquelas caixas de rolos de ovos empacotados numa caixa com o desenho das Ruínas de S. Paulo. Quase me esquecia: e comida portuguesa mais ou menos decente.
Não é preciso ter vivido em Macau muitos anos para perceber que as concessionárias, que empregam duas dezenas de milhar de residentes, andam por aí a fazer o que muito bem lhes apetece. Não andam aos tiros, mas também não há necessidade (ainda). Estacionam os autocarros onde querem (ontem ia batendo num que estava estacionado em cima de uma paragem de autocarro), “arrastam” os visitantes à boca do Jetfoil e das Portas do Cerco, há até taxistas que recomendam este ou aquele hotel/casino/sauna/casa de penhor em deterimento dos outros, enfim, “it’s all business” como se assaz dizer. Isto não é concorrência leal ou desleal, isto não é corrupção, isto nem sequer é matreirice. É só “business”.
A questão dos terrenos da Galaxy é apenas uma questão secundária. Debater a legalidade do aproveitamento daquela área do COTAI é chover no molhado. É natural que as restantes concessionárias não estejam satisfeitas com o fechar de olhos do Governo, mas certamente que vão ter uma oportunidade de passar uma rasteira na concorrência de outra forma qualquer. O que se vai fazer? Sacar-lhes os lotes se for necessário? Exigir-lhes que sejam devolvidos? Que mensagem se vai passar da “rule of law” em Macau? E tudo isto se passa no mesmo chão que pisamos todos os dias. O jogo em Macau é como os diamantes em África, com a diferença de que não temos rebeldes nem crianças soldado, e debaixo destes terrenos não há petróleo nem metais preciosos. A população encolhe os ombros. Acho que faz muito bem.
Que comentário azedo leocardo.
ResponderEliminarO que Macau lhe fez desta vez?
AA
obrigada, leocardo, pelo seu blog! tornei-me leitora assídua desde que o descobri.
ResponderEliminarestava toda entusiasmada com a possibilidade de ir trabalhar para macau para o ano... e este post deixou-me completamente desmoralizada!
mas diga-me: gosta de viver em macau? há por aí alguém que goste? aguardo impacientemente palavras que me reanimem!
É sempre bem vinda a Macau, e tenho a certeza que também existem problemas aí onde vive. Gosto de viver em Macau, também falo das coisas boas (se lê assiduamente o blogue apercebe-se facilmente disso), mas qual é o interesse em falar só do que está bem? O que está bem não precisa de ser mudado.
ResponderEliminarCumprimentos.
Se toda a gente que não está satisfeita se mudasse, já havia pouca gente a viver em Portugal.
ResponderEliminarOra nem mais, anónimo das 11:12. Por algum motivo não estou em Portugal (eu e mais um terço dos portugueses).
ResponderEliminarmesmo assim a maioria dos que lá estão quixam-se e falam mal.
ResponderEliminarO desporto favorito dos portugueses é queixarem-se.
ResponderEliminarEu se estivesse lá a ganhar 600 euros por mês, que é o que normalmente por lá se ganha (mesmo gente com um curso superior), também me queixava. Há "desportos preferidos" que não surgem por acaso.
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