sexta-feira, 23 de outubro de 2009
Os blogues dos outros
Lembram-se da música "Still crazy after all these years", que Paul Simon criou e celebrizou? Adapte-se imediatamente ao sistema judicial da RAEM! Passaram dez anos desde a criação da RAEM, mas, como notou Neto Valente, Presidente da Associação de Advogados, o argumento inexperiência continua a ser utilizado. E parece que vai continuar a ser assim. Quando os actuais magistrados estiverem velhinhos, em pré-reforma, ainda vão apontar a sua inexperiência como um dos factores que fazem emperrar a máquina judiciária. E o poder político também não dá mostras de querer mudar o discurso, servindo até, tantas vezes, como caixa de ressonância deste discurso estafado. A abertura oficial do ano judicial vai sendo, penosamente, um déjà vu interminável. Neto Valente, sempre frontal nestas ocasiões, fala mas parece que ninguém o ouve; ou ninguém o percebe. Fica a sugestão caro Dr. Neto Valente - uma vez que domina a língua chinesa, porque não tentar, no próximo ano, discursar em cantonense? Pode ser que haja algum problema de tradução das suas ideias. De caminho, sempre fazia a vontade ao Sr. Presidente do Tribunal de Última Instância, ao Sr. Procurador e alguma ortodoxia teimosamente cega. Mais cega que a Justiça, em boa verdade. No dia de ontem, no meio de uma sucessão de banalidades estatísticas, do discurso repetido ad nauseam, as fontes do Devaneios garantem que houve uma novidade. O Sr. Procurador, tentando a sua vertente humorística, terá criticado a lentidão que acha verificar-se na alteração das leis em Macau. Terá, supostamente, dito que, em Portugal, na União Europeia, e na China, o Direito evolui, enquanto que, em Macau cristaliza. De tal modo que, um dia mais tarde, quando se quiser estudar a história do direito português, terá de se vir a Macau. Pois, o porta-aviões é grande. Mas os tiros continuam a cair na água. O Sr. Procurador nunca ouviu falar em inflacção legislativa, em poluição normativa? (aqui http://contrariosensu.blogspot.com/2005/05/inflao-legislativa.html). Então o que é tão veementemente criticado em Portugal, e na União Europeia, pelos efeitos preversos que cria no sistema jurídico, na compreensão e maturação da lei, na criação de doutrina e jurisprudência sobre a mesma, é o que o Sr. Procurador quer importar para Macau como solução para os problemas aqui sentidos? Importar lixo tóxico será uma boa ideia? Mais a mais, quando uma das enormes carências que se sente no sistema jurídico em Macau é a ausência de criação de doutrina e jurisprudência, sobretudo em língua chinesa. E chegamos à omnipresente questão da língua. O Sr. Presidente do Tribunal de Última Instância, o Sr. Procurador, a oficialidade ortodoxa, ainda não perceberam que a língua chinesa é pouco utilizada exactamente porque não há literatura em língua chinesa que possa ser utilizada como instrumento de pesquisa e de fundamentação legal? Se não perceberam, andam realmente muito distraídos. Quando é que acabam os argumentos estafados e patéticos, juntamente com a inexperiência, para justificar o que é fácil de diagnosticar e tratar? Ou andamos mesmo num enorme faz de conta? Ouvindo os intervenientes de sempre, e assistindo a toda aquela teatralidade, fica a dúvida se não andarão a viver em mundos diferentes......
Pedro Coimbra, Devaneios a Oriente
A Associação de Direitos de Autor dos escritores chineses acusou a Google de violar os direitos de autor com a sua biblioteca digital. Como diria Fernando Pessoa, "a ironia é o princípio de que a consciência se tornou consciente"... A ver vamos, afinal, tenho uns quantos filmes comprados na China que também falam daquela coisa do "copyright".
Livreira Júnior, A Leste da Solum
As viagens de autocarro em Pequim estão a ficar cada vez mais interessantes. Há uns meses comecei a reparar que o hábito de ceder o lugar aos mais velhos começa a tornar-se mais comum. Por um lado porque há mais "mais velhos" e, por outro, porque os chineses começam a reparar mais (ainda que muito pouco) no próximo. Agora noto que já se vulgarizou o hábito da senhora que vende bilhetes dentro do autocarro (sim, é um emprego chinês), chamar a atenção de quem teima em ficar sentado quando há idosos sem lugar. E a conversa é simples - você, aí sentado de óculos e a olhar pela janela, levante-se se faz favor para dar lugar ao mais velho. E claro, toda a gente ouve. No outro dia, percebi porque é que andar de head-phones pode ser um truque para não ter de se levantar. Tímidos, nenhum chinês tocava no homem sentado a olhar pela janela enquanto que a senhora com cerca de 70 anos, acabada de entrar, olhava a ver em que sítio se poderia encostar. Aqui nada melhor que ser estrangeiro e não perceber porque é que ninguém lhe tocava. Um pequeno toque no ombro e um dedo a apontar para a senhora chegou para ele mudar de lugar. Afinal, o lugar dele era de pé.
Maria João Belchior, China em Reportagem
Uma empresa especializada em tecnologias de informática descobriu e desmascarou que os chineses tinham realizado espionagem pelo interior dos sítios de diversos organismos governamentais, nomeadamente, do Ministério da Justiça. Em vez de se louvar esta empresa, aproveitar os seus "crânios" e solicitar a sua participação na investigação dessa espionagem, pelo contrário, os responsáveis governamentais apressaram-se a dar ordens à Polícia Judiciária para perseguir a empresa em causa. Hoje, a PJ gabou-se que, acompanhada de um juiz, descobriu onde estava a empresa (dificílimo...) e que já prendeu e apreendeu todos e tudo. É o país e os governantes que temos... e depois, ainda têm o desplante de afirmar a sete pés que o poder político não interfere em nada no poder judiciário. Só é investigado quem eles querem. E como é que vamos de Freeport depois do inspector responsável pelo processo já ter levado com os patins?...
João Severino, Pau Para Toda a Obra
O mundo é simples: há ministros técnicos e ministros políticos. Os ministros técnicos são maus políticos. Os ministros políticos são maus técnicos. Os ministros técnicos sabem "o quê" mas não sabem "o como". Os ministros políticos sabem "o como" mas não sabem "o quê". Para mim era uma sandes mista, sff.
Rodrigo Moita de Deus, 31 da Armada
Parece que Sócrates não arriscou com a escolha dos ministros, evitando erros como o da escolha de Luís Cunha para ministro das Finanças. Estava à espera de mais arrojo, mas admito que mais do que de vedetas da comunicação social José Sócrates prefira gente que goste mais de trabalhar do que de dar palpites. Todavia tenho algumas dúvidas, não estou certo de que o ministro da Defesa tenha perfil para o cargo, é um político que fala muito para se ouvir, gosta muito da visibilidade das televisões e sempre que tem oportunidade diz umas "bojardas". Para lidar com os militares é preciso ser um homem forte, ser dialogante e ter maturidade, o futuro ministro parece só ter a primeira das três qualidade. Um segundo erro pode ter sido a manutenção de Mariano Gago, um ministro que não deixou muitas saudades nalgumas universidades. Mais do que ministro das universidades parece ter sido ministro do Técnico. Agora importa esperar pelas escolhas dos secretários de Estado, esperando-se que Sócrates não volte a cometer os erros que cometeu na legislatura anterior, deixando aos ministros ou ao aparelho do PS a escolha de uma boa parte dos governantes. Em pastas como a educação ou a agricultura a escolhas dos secretários de Estado foram desastrosas.
Jumento, O Jumento
Portugal caiu do 16.º para 30.º lugar no ranking de liberdade de imprensa elaborado pela organização Repórteres Sem Fronteiras. Uma queda de 14 posições na lista dos mais respeitadores da liberdade de imprensa, passando a estar ao nível da Costa Rica e do Mali. Em 2008, Portugal estava em 16º lugar, com a Holanda, Lituânia e República Checa. O estudo - que analisa o respeito pelo trabalho do jornalistas e o número de obstáculos que enfrentam para chegar à informação - foi realizado em 175 países e considerou o período entre 1 de Setembro de 2008 e 1 de Setembro de 2009. São contabilizadas, entre outros variáveis, o número de agressões, prisões e ameaças políticas e económicas aos profissionais de comunicação, ameaças indirectas e pressões e censura. A Repórteres Sem Fronteiras alerta ainda que a Europa, em conjunto, recuou em termos de liberdade de impressa. Não há democracia, liberdade e justiça quando não há uma imprensa livre, quando há vozes que são silenciadas. Os governos têm nisto muita responsabilidade, mas talvez ainda mais terão os patrões dos órgãos de informação, os grandes grupos económicos que controlam televisões, rádios e jornais. Só assim se justificam as campanhas vergonhosas em defesa do capitalismo, com dezenas de economistas e comentadores, escolhidos a dedo, contratados para nos dizerem como devemos pensar. Programas como o que acabei de ver em que os convidados eram dois economistas, o chefe dos patrões e um empresário, sem existir quem possa contestar as “verdades” que nos impingem. Só assim se justifica que as verdades tenham um só lado e uma só versão. Só assim se justifica que ninguém se atreva a falar dos Bilderbergs, Iluminatis e outras organizações ao serviço dos Senhores que defendem a “Nova ordem mundial”. Ou não são estas seitas motivo para grandes reportagens e debates quando o Balsemão leva à reunião anual dos Bilderberg os políticos que nunca falam do assunto e que no ano seguinte assumem o poder. Não estranha, por isso, que toda a Europa tenha recuado no índice da liberdade de informação. Basta ver a forma como o Tratado de Lisboa nos foi imposto com a cumplicidade de todos, na recusa de referendos, nas ameaças a que não assinasse, com o medo como arma e com uma “lavagem de cérebro” feita em enormes campanhas publicitárias e informativas. Está em perigo a liberdade de informação e assim a liberdade de todos nós. Não fosse a internet e todos viveríamos num mundo de pensamento único. Aproveitemos enquanto podemos.
Kaos, Wehavekaosinthegarden
Regozijai, lobo-antuninos e saramaguianos. Depois de Saramago ter levado os seus seguidores ao rubro com as declarações bombásticas sobre a Bíblia e deixado os seus opositores em estado comatoso, eis que surge António Lobo Antunes de olho azul e com o mesmíssimo ar de sempre a dizer sensivelmente as mesmas coisas de sempre, exceptuado um há-dem, cruzes credo, vade retro erro demoníaco, havia necessidade? lá pelo meio da conversa. Cada um igual a si mesmo. Um Outubro em grande.
Leonor Barros, Delito de Opinião
José Saramago é um razoável escritor e um excelente divulgador da sua obra. Num tempo não muito distante, em que ele ainda não era Nobel e em que os demais escritores (ou melhor dizendo autores de livros pois ser escritor é uma coisa situada uns patamares acima) desdenhavam enfastiados das filas que o povinho fazia à espera de um autógrafo, já José Saramago passava horas em sessões de lançamento a perguntar às senhoras que apareciam com os seus livros debaixo do braço a quem queriam que os dedicasse. E uma vez ouvido o nome ele lá escrevia as frases que lhe ditavam. Mais, Saramago era assim antes do Nobel e continuou a ser assim depois do Nobel. Na Festa do Avante!, numa biblioteca remota ou num pavilhão polivalente, Saramago sempre teve claro que os livros para serem lidos têm de ser vendidos e que o escritor é o principal vendedor da sua obra. Não sei que queixas têm os editores de Saramago mas certamente que entre essas queixas não se conta o ele não se esforçar por promover os seus livros. Nos últimos anos, desfeito o efeito que o Nobel teve como exponenciador das vendas dos seus livros e sem que das suas mãos saísse algo que cativasse tantos leitores quanto o “Memorial do Convento”, Saramago e o seu universo mais ou menos realista encontrou-se em concorrência com uns livros pejados de vampiros, códigos e irmandades que provavelmente para seu e certamente para meu espanto atingem vendas vertiginosas. Não sei se foi nesse momento que lhe ocorreu a ideia do escândalo mas a verdade é que na falta de um Sousa Lara que lhe possa dar motivos para se dizer discriminado, Saramago nos promete um escândalo por cada livro que faz sair.
Helena F. Matos, Blasfémias
Saramago diz que as suas declarações em Penafiel foram retiradas do contexto, o que muito o chateou – até porque ele já tinha descontextualizado magistralmente o que havia para descontextualizar ao falar da Bíblia, não havia necessidade de andarem para aí armados em macaquinhos de imitação. O contexto, explicou com paciência, era a promoção de um livro. O seu. Lamentavelmente, os Torquemadas de serviço quiseram discutir umas coisas sem interesse nenhum. Saramago queixa-se de que anda tudo a falar do que ele disse ou não disse, mas ainda ninguém leu o livro. O seu. E há muitos à disposição para serem lidos. Muitos. Saramago diz que a Bíblia deve ser lida literalmente, sem carência de padrecos a bichanar a diabólica exegese que nos hipnotiza. Tal como se fazia nos primórdios, afiança, e tal como ele faz num livro. O seu.
Valupi, Aspirina B
Mário David não é um solípede à solta ou um inimputável analfabeto, é eurodeputado do PSD e vice-presidente do Partido Popular Europeu. Por isso as suas palavras podem ter eco, ser tomadas como boas e levadas a sério como se fossem de um homem culto e sensível. Bem sei que Mário David, de que nunca tinha ouvido falar, é o Sousa Lara que entra na quota de todas as lideranças do PSD, o censor que honra o Santo Ofício, o analfabeto que, à semelhança do Sr. Duarte Pio, nunca leu Saramago e não gosta. Mário David, sei-o agora, é o bem-aventurado primata que deseja a glória celeste na convicção de que há reino dos céus reservado aos pobres de espírito. Pedir a Saramago, o Nobel do nosso contentamento, o mais admirável ficcionista do último século, não é de quem usa a cabeça mas de quem se serve dos pés. Todos. Mário David afirma, referindo-se a Saramago: “Tenho vergonha de o ter como compatriota! Ou julga que, a coberto da liberdade de expressão, se lhe aceitam todas as imbecilidades e impropérios?” Que quererá fazer este Sousa Lara, digo, Mário David? Quererá queimar o escritor? Retirar-lhe a nacionalidade? Ter a glória de Nero por incendiar Roma ou o nome nos jornais pela indigência intelectual? Outra pérola deste analfabeto literário: “Se a outorga do Prémio Nobel o deslumbrou, não lhe confere a autoridade para vilipendiar povos e confissões religiosas, valores que certamente desconhece mas que definem as pessoas de bom carácter”. Foi o bom carácter de pessoas como Mário David que alimentou as fogueiras da Inquisição.
Carlos Esperança, Diário Ateísta
Eh pá ó Liedson, tu não me digas mal da bíblia que a gente precisa de ti com nacionalidade portuguesa!
João Moreira de Sá, Arcebispo de Cantuária
Esta semana, uma das melhores selecções n'"Os blogues dos outros", onde há até alguém que fala de factos evidentes que ninguém quer ver (que a Europa está a regredir em muitos aspectos, dominada pela seita Bildenberg), e onde mesmo quem fala de Saramago (bem ou mal), fá-lo nitidamente com conhecimento de causa (sem o insulto fácil de quem diz ser ele o pior escritor do mundo sem nunca lhe ter lido um livro). O Arcebispo de Cantuária é a cereja no topo deste saborosíssimo bolo que o Leocardo hoje nos ofereceu.
ResponderEliminarObrigado pelo destaque, Leocardo. Abraço
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