quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009
Os super-miúdos (e os outros)
Foi semana de exames para os miúdos lá na escola. Foi portanto uma semana bastante ocupada, com um regime muito mais intenso e menos “democrático” cá em casa, uma espécie de lei marcial. Dormir cedo, acordar bem mais cedo, pequenos almoços ricos em fibra e refeições nocturnas leves, em que se privilegiou o peixe. Um regime semi-militar. A miúda é bem mais despachada, mas o mais novo distrai-se com bastante facilidade, sendo preciso andar “em cima” para ter a certeza que não esconde o video-game debaixo dos livros. Concentração e silêncio são essenciais, o que vale por dizer que a televisão tem gozado umas férias forçadas. E logo eu que detesto quando a televisão está desligada em casa. Faz-me lembrar o tempo em que morria alguém lá na terra. Não que eu preste realmente atenção à programação, mas o aparelho ligado sempre serve de banda sonora à vida familiar.
Perdoem-me o saudosismo, mas como é possível que estes jovens precisem de tanto apoio e motivação para estudar? Vejo os livros da escola primária e do 5o ano e não descortino nada de extraordinário. Não vou dizer que no meu tempo eram melhores ou mais completos, pois não eram. São a mesma coisa. O que era diferente era o ambiente. Não tinhamos TV 24 horas por dia ou uma variedade de programação por onde escolher. A televisão reduzia-se àquela hora entre as seis e as sete, depois de sair da escola, quando davam os desenhos, e um pouco mais ao fim-de-semana. As brincadeiras eram com a bola, na rua, com as caricas ou qualquer coisa que desse para quebrar o tédio. Não haviam playstations, e muito menos actividades de ocupação de tempos livres promovidas pela Câmara ou outra entidade qualquer.
Não nos restava outra opção que não estudar. E raramente dava para esclarecer dúvidas com os pais, que voltavam a casa sempre mais tarde e queriam ver os trabalhos de casa feitos. Lembro-me de estudar na casa da minha avó, numa pequena sala que existia à esquerda da entrada do corredor. Porta branca, alcatifa vermelha, mesa de mármore e armários decorados com loiça da China, pequenas estátuas que o tio tinha trazido da Guiné, e naprons bordados à mão. Tudo de um bom gosto e uma elegância espectaculares. No Inverno quando anoitecia mais cedo, escorria os estores (há quanto tempo não dizia “estores”) e acendia a luz, um candeeiro digno de um palácio de Versalhes qualquer. Dava gosto estudar ali, sentia-me um príncipe.
A avó nunca usava aquela sala, nem quando tinha convidados. Os meus irmãos e irmãs preferiam o sotão, longe dos olhares dos adultos e onde podiam escapar para o terraço e brincar com os cães. A mim quem me tirava o sossego e a cândida alvura das paredes da tal sala tirava-me tudo. Nem era preciso ficar horas em casa a marrar antes dos exames. Bastava ler um pouco todos os dias e uma revisão mais demorada no dia anterior. Não que eu fosse um aluno brilhante, mas como era bom menino, mesmo as férias fazia todos os trabalhos de casa o mais rapidamente possível, para poder gozar a liberdade. Os miúdos se não forem obrigados, só se lembram de os fazer no Domingo à tarde. A partir do 5o. ano era um aluno de 3/4, com um 5 ou dois (coisa rara). Não sentia a pressão dos resultados, e os meus pais só me pediam para “não chumbar, que os livros saíam caros”. Assim cumpri.
Aqui em Macau temos pais e filhos de todas as origens e estratos sociais, e em comum têm o facto de entrar em pânico quando chegam os exames. Alguns dos meus colegas chegam a tirar férias nessa altura para “ajudar os filhos a estudar”. A competição nas escolas chinesas, onde existem quadros de honra e listas dos “tops” assim o exige. A competição é feroz. Na EPM a coisa não muda muito de figura. Alguns pais, figuras conhecidas da nossa comunidade, colocam alguma pressão nos filhos para se excederem nos resultados escolares. Alguns conseguem. Mas ao obter resultados tão fabulosos desde tenra idade, os miúdos vão encontrar mais dificuldades na idade adulta em contrariar as adversidades.
Por muito que nos custe e por muito que tentemos olhar para o mundo através de um filtro cor-de-rosa, as dificuldades existem, e os obstáculos vão aparecendo. Os miúdos não vão ter o mundo numa bandeja simplesmente porque tiraram seis "cincos" no 5º ou no 6º ano, principalmente num sistema educativo como o nosso em que se combate o insucesso fazendo passar todos, mesmo os mais mal preparados. E se os planos futuros incluem um regresso a Portugal (ou pelo menos que os filhos lá regressem para ingressar no mercado de trabalho), é bom que aprendam a dar alguns trambolhões, enquanto ainda são fresquinhos e cicatrizam mais depressa. "Espremer" o sumo dos miúdos e fazê-los competir pelos melhores resultados não os vai tornar mais hábeis ou mais inteligentes. É um pouco como começar a andar: primeiro é preciso aprender a cair.
Caro Leocardo,
ResponderEliminarPermite que adicione o seu ilustre blogue à lista de blogues deste que agora se inicia?
http://alestedasolum.blogspot.com/
Cumprimentos.
Por favor, esteja à vontade!
ResponderEliminarDesde quando é preciso pedir licença para isso? O homem quer é fazer publicidade gratuita ao novo blogue. Já te topei, pá!
ResponderEliminarHey Leocardo tu que gostas de andar disfarçado. Vêm à nossa festa amanhã!
ResponderEliminarTRAZ O TEU MELHOR DISFARCE E MOSTRA O QUE REALMENTE ÉS!!
At the ROOFTOP!
(bring your gang!!)
http://bloomland.blogspot.com/
Agradecido! Cumprimentos.
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