segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Acordo na gaveta


Entrou em vigor no dia 1 de Janeiro no Brasil o acordo ortográfico. Ainda não me pronunciei sobre o assunto, mas na verdade há muito pouco a dizer sobre o aspecto técnico da questão. Não acredito que existam línguas diferenciadas do português, como o brasileiro, o angolano ou o timorense. Existem os crioulos, claro, o patois, e tudo mais, mas onde se fala português fala-se de forma diferente, atendendo a aspectos culturais, geográficos, e mesmo influências exteriores. Colocar tudo no mesmo saco, baralhar a voltar a dar é quase trágico, e é disso que se trata o acordo ortográfico. O maior “problema”, que não é problema nenhum, é o Brasil, onde vivem 190 milhões de falantes da nossa língua.

E aí está, é a “nossa língua”, não é propriedade de ninguém, e se os brasileiros resolvem dizer “ato” em vez de “acto” ou “fato” em vez de “facto”, isso é lá com eles. Eu não vou fazer o mesmo nem impor que alguém escreva como eu escrevo. Os portugueses entendem perfeitamente os brasileiros e vice-versa, e achamos graça às pequenas preciosidades que distinguem a norma portuguesa e brasileira. Um brasileiro que diga que não entende o português de Portugal ou não está a falar a sério ou é mesmo burrinho. Um português que diga que não entende o português do Brasil é pior ainda.

Se não fosse o Brasil, com as suas centenas de milhões de falantes de português, a língua portuguesa ficaria reduzida à importância do húngaro, do japonês ou do alemão, contida apenas em alguns territórios, e sabe-se lá se a inexistência do Brasil não levaria os PALOP, por exemplo, a pensar em adoptar o inglês ou o francês, de modo a tornar tudo "mais fácil". Temos a mania de culpar os brasileiros pela adulteração da nossa lingua, quando nós próprios nem conseguimos tratar bem dela. Para perceber isso, basta ver um pouco de televisão. O acordo ortográfico não é mais que um conluio de políticos e linguistas desocupados que de tanto alimentar e fazer festinhas a esse hamster em forma de lingua, acabam por o matar.

Se isto fosse uma questão democrática, ou da lei do mais forte, então teríamos todos que seguir a norma brasileira, visto que estamos na proporção de 1 para 19. Sentar os brasileiros, os PALOP, os goeses, timorenses e tudo mais a uma mesa e dizer: “pronto, isto agora vai ser assim” era como se os ingleses sentassem os americanos, canadianos, australianos e tudo mais e lhes impusesse uma ortografia. Isso seria impensável. O pior é que não lhes queremos impor a nossa, mas antes uma que é assim uma espécie de salada de fruta, que iria revolucionar por completo – no mau sentido – toda a nossa literatura, ensino, tudo o que dávamos como garantido.

Propôr uma ortografia em que vamos sair nitidamente mais prejudicados que os restantes falantes do português faz lembrar, como disse o Miguel Esteves Cardoso, aqueles miúdos que numa brincadeira dizem “faço tudo o que vocês disserem desde que eu seja o chefe”. O português, assim como as restantes línguas latinas, derivaram do mesmo Latim, mas nem por isso se desrespeitou o Latim. Nem os actuais italianos reclamaram nenhuma espécie de direitos de autor ou impuseram a sua ortografia. Com ou sem acordo ortográfico vamos ter um sempre uma língua portuguesa em evolução, como tem sido nos últimos 800 anos, e o futuro vamos ter em África, nas Américas e na Ásia línguas que derivaram e se aproximam do português.

Não precisamos de um acordo para salvar nada, porque não há nada para salvar. O ideal seria que este acordo fosse atirado para uma gaveta como já aconteceu em 1990. Mas parece que no Brasil já caíu a famosa trema em cima do “u” (a tal do agüenta), escrevem canadiano e polaco em vez de canadense e polonês, Amesterdão e Irão em vez de Amesterdã e Irã. Diferenças de lana caprina. E duvido que cumpram, pelo menos completamente. E não me digam que este tópico não deve ser abordado de ânimo leve. Para mim não deve ser abordado de todo. Deixem-se lá de disparates e metam o acordo ortográfico de onde ele nunca devia ter saído: da gaveta. Um dia as gerações futuras ainda vão rir dele.

11 comentários:

  1. Boas.

    Antes de mais, para ficar clara a minha opinião:
    Se a escrita é diferente a língua é outra. Certamente não é isso que se pretende.

    Comparar o que se passa com o Português e com o Inglês é no mínimo despropositado. O Inglês escreve-se da mesma maneira em todos esses exemplos, apesar de haver diferenças no significado de determinadas palavras, ou mesmo palavras que se usam num país e noutro não.

    Depois, o problema não está na fala mas na escrita. É óbvio que os falantes de Português se entendem, mas é também óbvio que num mundo pequeno devido às novas tecnologias é necessário convergir! Ou nunca reparaste que, por exemplo, quando fazes uma procura no Google tens que ter em conta esta nossa diferença?
    O próprio espanhol tem isso em conta, há palavras que existem na América do Sul mas não existem em Espanha, mas a regra para as escrever é a mesma. Existe um organismo que regula a língua.

    As línguas evoluem, mudam, aperfeiçoam-se, mas é preciso haver regras. O Português não teve; acho que agora é preciso corrigir isso, adaptar e daqui para a frente evoluir com controlo, haver apenas uma língua Portuguesa.
    Não se mudam formas de escrever uma frase - se deve usar ou não o gerúndio ou "te" antes ou depois - mas sim que as palavras sejam escritas da mesma forma.

    Até breve.

    ResponderEliminar
  2. Concordo perfeitamente com o comentário anterior. Aliás, a escrita portuguesa já sofreu imensas alterações ao longo dos séculos e algum mal veio ao mundo por causa disso? A escrita evolui e é perfeitamente normal que haja necessidade de adaptar-se às novas realidades.

    Não estamos aqui a falar em alterar a língua que todos falamos, e que continua a ser o Português, mas sim a forma como o escrevemos, que na minha opinião deve convergir para uma única universal.

    Só vejo vantagens nessa convergência.

    Para além obviamente do esforço que têm de ser feito para todos nos adaptarmos à nova escrita, gostava sinceramente que me apresentassem os outros inconvenientes... é que eu vejo muito poucos.

    ResponderEliminar
  3. Eu concordo também. Minha unica preocupaçao é si o acordo nao é bem feito...?

    Cumprimentos,

    ResponderEliminar
  4. O acordo ortografico já tem sido palco de grandes discórdias e aborrecimentos, porém teremos que dar à mão à palmatória, assim o deveria fazer o MARICAS E COBARDE anónimo, que esteve lendo este artigo e este comentários, o fez às 13.27.37 e passou 2 minutos e 54 segundos, postanto igualmente o seu comentário.

    Adordos sem acordo de todos é o mesmo que estar-mos a remar contra a maré!...

    ResponderEliminar
  5. A. Gambeta,
    Você está mesmo furioso e passa a sua fúria de poster para poster. Que tem a ver a sua fúria com o Acordo Ortográfico, coisa que eu nunca cumprirei.

    ResponderEliminar
  6. Parce que nada tem a ver, mas no fundo tem muito, pois eu assisti a uma imensa polémica entre amigos meus portugueses e brasileiros, que resultou em ofensas que chegaram a vias de facto.

    Eu pessoalmente respeito as ideias dos outros, e este acordo ortografico irá dimensionar ainda mais o português no mundo.
    Peço desculpa pelo meu desabafo.

    ResponderEliminar
  7. Muito bem.

    Em primeiro lugar obrigado pelos comentários, e só tenho pena que não tenha havido uma voz contra o acordo (e sabe-se que há muitas). A lingua não está em crise para que haja necessidade de uma uniformização, no meu ver.

    O português (falado e escrito, entenda-se) de Portugal e os do Brasil, Angola, etc. estão cada vez mais a distanciar-se, e nenhum acordo pode impedir que isso aconteça, mas continuarão sempre a ser "português".

    Não é a queda das consoantes mudas ou dos acentos que vai resolver o que quer que seja. Os meus filhos, que são bilingues mas estudam português, tem imensos problemas com a acentuação, mas nada que um pouco de persitência e boa vontade não resolvam.

    É preciso atender à cultura, geografia e até influências externas (o Brasil está rodeado de países que falam espanhol, a Guiné de países francófonos e Moçambique de anglófonos) para perceber que o Português que se escreve e fala na metrópole nunca poderá ser gémeo como duas gotas de água.

    Playmaker 10: há muito mais diferenças entre o inglês de Inglaterra e o dos Estados Unidos que você pensa. Só para citar uns exemplos, pela ordem de grafia inglesa/norte-americana: defence/defense, traveller/traveler. wilful/willful, kidnapped/kidnaped, colour/color, theatre/theater, judgement/judgment. mould/mold, encyclopaedia/encyclopedia, likeable/likable, endorse/indorse, analyse/analyze, catalogue/catalog, entrée/entree, day-dream/daydream, axe/ax, plough/plow, etc,etc podia ficar aqui até amanhã a citar exemplos.

    Isso não muda o sentido das palavras, é certo, mas transformar facto em fato ou acto em ato muda. E já agora vamos começar também a dizer "abacaxi" em vez de "ananás", e "cadê" em vez de "onde está".

    Os anteriores acordos, do tempo em que ainda eramos um império transformaram "pharmácia" em "farmácia", "ipoteca" em "hipoteca" ou "chinêz" em "chinês", nada comparável com a dimensão deste. Além disso que remédio tinham estes países senão acatar a mudança da metrópole, o que não é o caso desta vez.

    Quanto ao sr. Cambeta, ficava bem se o senhor que o insultou fizesse um pedido de desculpas. Ás vezes não fica mal ser humilde e reconhecer que se errou.

    Cumprimentos.

    ResponderEliminar
  8. Os detalhes com que o sr Cambeta sabe dos passsos cibernéticos do alvo da sua fúria faz-me pensar que anda por aqui um grande Big Brother.

    Pelos vistos a regulamentação do art 23 não era necessária pois ela já está em prática há muito tempo.

    E não há anonimato que valha.

    ResponderEliminar
  9. Uma pequena correcção ao comentário do playmaker 10:
    O inglês não se escreve todo da mesma forma e ninguém se rala com isso, talvez os professores de inglês nos países anglófonos estejam demasiado ocupados a preparar e a dar aulas, ou seja, a ensinar os alunos.
    Sobre o acordo ortográfico propriamente dito, concordo com o post original. É um assunto que não merece tanta preocupação. Daqui a pouco anda-se a discutir se se deve utilizar o "brasilês" do Rio, o do Nordeste ou o do Sul.
    Pessoalmente vou continuar a escrever como aprendi, se alguém não entender, paciência.

    ResponderEliminar
  10. Um dos muitos problemas do AO é que nos estamos a afastar em termos de escritas das nossas línguas irmãs e apanhamos com o tradável e não trádavel dos brasileiros.

    ResponderEliminar
  11. Existem imensas coisas que queiramos ou não temos que as aceitar, nests caso concreto do acordo ortográfico, os grandes mestres acharam que seria bem melhor haver um português uniformizado, desta forma a língua portuguesa unida terá muito mais força para se fincar no mundo.
    Tudo muda nesta vida o português de antanho era bem diferente do de hoje, houve evolução e ainda bem.
    Já agora aproveito para dizer ao Anónimo do dia 6 - 6.19 horas, que sei os passos cibernéticos do tal cobarde, porém a minha fúria é como o meu coração é de oiro e estou de braços abertos a perdoar, caso ele se identifique. Eu não sou nenhum BIG BROTHER, mas também não sou aquilo que o tal tipo escreveu, sou sim um investighador nato com cursos de investigação avançada, fui polícia e sei muito bem que nos Ribeiros onde as águas correm depressa demais também existem pegos ou váus.

    ResponderEliminar