quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Mais cóltura faxâvor


O Governo de Lisboa resolveu subitamente interessar-se pelo ensino do Português no mundo, aprovando uma lei que tem como prioridade a divulgação da língua e da cultura portuguesa no mundo. Excelente, na minha opinião. Munido de um médio de grande força no campo das tecnologias da informação, como a RTPi, o Governo português vai assim apostar em força no ensino, na marca “Portugal”, quando já se devia ter lembrado disso há uns, sei lá, 20 anos?

Em Macau por exemplo (e não vou entrar de novo pelo desinteresse de Portugal pelo território que administrou durante mais de 400 anos) a RTPi e a própria TDM são para consumo interno dos expatriados, dos portugueses a residir em Macau. Fico feliz cada vez que entro numa loja e a senhora está a ouvir o canal português da Rádio Macau. Quando lhe pergunto “porquê” ela normalmente responde “porque tem mais música e menos conversa”. De facto a música interessa muito mais que conversa que às vezes é da treta.

O que dizer da RTPi, por exemplo, em termos de interesse cultural? O que temos oportunidade de ver aqui em Macau diz muito pouco. Salvam-se alguns programas, como os do prof. José Hermano Saraiva, uma figura incontornável do ensino da nossa História, quer se goste ou não, e numa forma física fabulosa aos 89 anos. Os programas de culinária, de que me orgulho bastante, uma vez que a cozinha portuguesa é a mais variada, criativa e deliciosa do mundo. A série “Conta-me como foi” (retransmitida aos Domingos na TDM), que apesar de ser inspirada numa outra espanhola que retrata os tempos da ditadura franquista, não só deixa de ser interessante para os mais jovens, como traz um pouco de nostalgia aos mais velhos.

Depois há os enlatados que não interessam a ninguém. Os concursos por exemplo. Nunca percebi muito bem o interesse n’”O Preço Certo”, apresentado por Fernando Mendes. Um concurso em que dá a chance a concorrentes, alguns deles sofrendo de atrasos funcionais profundos, de vencer prémios no valor de centenas de milhar de patacas. Talvez seja a presença do apresentador, um mastigador de cenários por vocação. Conheci pessoalmente o Fernando, numa ocasião, e gostei muito dele. Um homem educado, humilde, um pouco tímido até, e dotado de um enorme sentido de humor. Talvez seja a sua aparência física que leve a que não passe disto mesmo, um momo de concursos, telenovelas ou série de humor mal escritas e ordinárias (Nico d’Obra, Nós os ricos). Outro concurso cujo nome agora não me lembro, apresentado pela belíssima Sónia Araújo, é bem simplista e sofre de uma enorme falta de selecção dos concorrentes, apesar de ser de escolha múltipla. No outro dia uma concorrente respondeu que a escravatura em Portugal foi abolida “no século XIV”. Ou seja, acabou antes de ter começado.

As telenovelas portuguesas, que são como um amigo meu brasileiro descreveu “dor de dentes no Verão com o dentista de férias”, ocupam também um lugar de destaque na programação da RTPi. O programa “Portugal no Coração”, “Praça da Alegria” ou “Atlântida”, destinados a emigrantes, não trazem nada de novo ou sequer de interessante ao que seria supostamente o papel da RTPi na divulgação da língua ou cultura portuguesas além-fronteiras. Depois há a programação infantil, ou a falta dela.

Tudo o que temos em termos de programação infantil nacional resume-se à Rua Sésamo, e foi feito há 20 anos. Alguns actores que participaram da rodagem da Rua Sésamo ora estão bastante mais velhos (Alexandra Lencastre, Fernando Gomes, Vítor Norte), ora se retiraram (Pedro Wilson, Fernanda Montemor), ora morreram (António Anjos). O erro da Rua Sésamo (que os meus filhos não conseguem ficar a olhar mais de dois minutos), foi assumir que as crianças de hoje so iguais às dos anos 70 de Jim Henson, aos anos 80 do nosso tempo, ou aos anos 90 dos meus irmãos mais novos.

Sem dúvida que este é um projecto ambicioso. Não estou muito a par do que se faz na televisão em Portugal, e tudo o que chega aqui chega muito mais tarde. Mas se realmente a ideia é levar o melhor que se faz em Portugal ao mundo, o melhor deve começar imediatamente a ser feito. Só peço uma coisa: que não tratem os portugueses expatriados, os emigrantes, os seus filhos e os restantes povos que falam português à volta do mundo como atrasadinhos mentais. Mais cultura, ou pelo menos "cóltura", faxâvor.

3 comentários:

  1. Pelo menos, vamos ter a Bloom de volta.
    Brevemente no Albergue da Rua de S. Lázaro, próximo do Tap Seac.
    E em boa hora, antes do Natal e com a Livraria Portuguesa sem destino conhecido.

    ResponderEliminar
  2. Bem, no concurso da Sónia Araújo, houve uma pergunta.
    Em que países o português ainda é língua oficial?
    E o concorrente todo fogoso responde com determinação - Portugal, Madeira, Açores!!!
    Está tudo dito.

    ResponderEliminar
  3. Vamos voltar, sim! Já este fim de semana, no Albergue de São Lázaro.

    Por diversas razões não nos vai ser possível reabrir o "novo" espaço antes do Natal. Contamos estar em plena actividade em Fevereiro, data em que a Bloom faz dois anos.

    Obrigado a todos!

    ResponderEliminar