segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Drogas? Não. Mas porquê?


Gostava em primeiro lugar de mandar um grande abraço à Associação de Reabilitação de Toxicodependentes de Macau (ARTM), ao seu presidente Augusto Nogueira, ao Luís, e ao resto da malta que tem feito um trabalho exemplar, que nem sempre é fácil, dadas as características exíguas do território e a tudo o que se tem passado nos bastidores, que é como quem diz, no que tem sido feito no combate ao tráfico e consumo de estupefacientes, que tem sido muito pouco além das medidas punitivas.

Quando se lê na maioria da imprensa que "Macau está a perder a luta contra a droga", que significa que tem aumentado o consumo, resta perguntar: "que luta é esta?". Todas as semanas aumentam os casos de polícia relacionados com o tráfico, ao que não é alheia a nova Lei da Droga, que reduz a tolerância no que toca às quantidades de estupefacientes que são consideradas "tráfico".

Num território onde a maior indústria é o jogo, onde vivem e passam estrangeiros de todas as origens, onde a prostituição acontece à luz do dia, é uma sorte que não sejam apanhados navios, camiões ou contentores com toneladas de cocaína, heroína ou, vá lá, cannabis. Recentemente têm-se registado casos insólitos de tráfico, como o daquele cidadão africano que foi apanhado no passado dia 27 com heroína no interior do corpo, e só no final da semana passada expeliu o último "pacote" (!). Foi uma sorte não ter morrido.

Quando se fala de droga, é preciso em primeiro lugar diferenciar o que são drogas recreativas e drogas duras. Já se sabe que muita gente gosta de meter tudo no mesmo saco, que isto tudo "são porcarias", mas ao que parece esta estratégia tem sido a mais utilizada, e desculpem lá a sinceridade, não tem dado resultado.

Não vou aqui fazer o elogio da cannabis, ou de como tem resultado a despenalização do consumo da mesma em outros países, ou de como os seus efeitos não se comparam nem de perto nem de longe ao de outras drogas ditas duras, e mesmo ao alcool. Não aconselho o consumo de cigarros a ninguém, quanto mais de canabinóides ou outras substâncias dissociativas.

Mas parece-me que muito do esforço que tem sido canalizado para combater as drogas leves podia ser utilizado para combater antes as drogas duras, as injectáveis, que provocam um ciclo de dependência que levam ao crime, ao contágio por doenças infecciosas, e depois à morte. O facto do consumo de haxixe ser hoje superior ao consumo de heroína é, na minha humilde opinião, um grande progresso.

A tal ARTM realizou há duas semanas uma campanha de sensibilização na Escola Portuguesa de Macau, onde participaram alunos do 2º ciclo (10-12 anos). Uma iniciativa louvável, sem dúvida. A sensibilização deve começar nessa idade. As opiniões de alguns dos alunos fizeram-me sorrir. Como quem vê uma criança a dizer um monte de disparates, e sorri da patetice. O tal lúdico-trágico.

"Tomam drogas para ficar malucos", "para se auto-afirmarem", "para escapar da realidade", foram alguns dos comentários que se ouviram. Certo, certo. O que vai um jovem de 10 anos dizer? Que não tem opinião formada até experimentar as drogas? Ou como disse uma vez o Miguel Esteves Cardoso, "as drogas são boas, mas fazem mal". O que sabem estes chavalos e chavalas? Claro que vão dizer "é mau e nunca vou experimentar".

A função da escola passa por explicar aos jovens de forma concreta e científica, continuamente e sem tabus os efeitos das drogas, os tipos de droga, as psicotrópicas à cafeína ou à nicotina. A última coisa que se deve dizer a um jovem é "as drogas são todas más e ai de ti se tocas nisso" ou que "os consumidores de drogas são criminosos". É a morte do artista.

É necessário que os jovens aprendam a dizer não às drogas, mas não vai ser apresentando-as como um "fruto proibido" que chegamos lá. Nem vai ser intimindando-os, ameaçando-os com a prisão ou a exclusão social. Não vai ser mantendo-os na ignorência, ou como defendia a minha avó "enforcando um deles à frente dos outros para servir de exemplo". Não vai ser trancando-os no quarto enquanto chovem drogas lá fora.

Existe ainda um conceito torpe que associa o consumo de estupefacientes a um certo extrato social, ou a problemas familiares e sociais. Isto para não falar da tal dictomia "droga/desporto", que tem sido a bandeira do combate à droga. Nada mais errado. Todos os jovens estão expostos ao consumo, ora por curiosidade, ora por irreverência e rebeldia, ora pela associação indirecta a certos estilos de vida. Os ricos, os pobres, os doentes, os saudáveis, os atletas, os bons e maus alunos, todos.

Certas campanhas de combate à toxicodependência têm que ser revistas com urgência. É preciso deixar de se considerar o toxicodependente um desgraçadinho, alienado de tudo e todos, um miserável que anda caído pelas ruas com a língua de fora, à espera que alguém caridoso lhe estenda a mão. Alguns dos sintomas descritos pelo consumo de certas drogas incluiem "perda de memória" ou "paranóia". Eu não consumo drogas, e a minha memória já não é o que era, e às vezes ando um bocado paranóico. É deste mundo...

2 comentários:

  1. Caro Leocardo,

    Como sei tratar-se de um leitor de jornais atento, tomo a liberdade de lhe recomendar a leitura da secção “Intimidades” da edição de hoje do jornal Hoje Macau. O sr. José Manuel Simões, autor dos textos que lá são publicados, fornece hoje pormenores “íntimos” de um artista que é da elevada estima do Leocardo.
    Como tem vindo a ser hábito, a prosa “íntima” do sr. José Manuel Simões não passa de um amontoado de lugares comuns alternados por “revelações” sobre pessoas que, pela distância, não deverão ter acesso ao que escreve para poderem repor a verdade, caso sintam necessidade de o fazer. Fica a sugestão de leitura.

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  2. Sempre que ouvi falar deste assunto, aí em Macau, toda a gente falava com receio. Não diria própriamente que é tabu, mas que é era um assunto icomodativo, lá isso era.

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