sexta-feira, 17 de outubro de 2008
Saudades do futuro
Quando cheguei a Macau tinha uma amiga que vivia com os pais, um casal respeitável oriundo da Margem Sul. Na minha primeira visita à sua casa, perto do Colégio D. Bosco, elogiei-lhes a decoração. Disseram-me que sim, mas aquilo dava muito trabalho, que “tinham que encaixotar tudo”, porque “para o ano iam embora”. Estávamos em 1992, e só foram mesmo embora em 2000. Nós os portugueses, somo um povo que não faz planos para o futuro – vai “ficando”. Ir ficando é aquele sentimento puramente lusitano do “vou ficando enquanto não me chateiam”.
Repare-se como a própria conjugação do Futuro dos nossos verbos é absolutamente atroz. Ninguém diz, em linguagem corrente, “eu ficarei”, ou “tu farás”, ou “ele comprará”. O mais que se pode arranjar é o futuro do verbo “ser”, e quando se diz que alguém “será” qualquer coisa, quer normalmente dizer que está feito ao bife. No fundo penso que se trata de alguma chantagem emocional. Enquanto um estrangeiro diz com a maior das facilidades “em Agosto vou-me embora”, para nós a partida ou a permanência é um místico bailinho, um autêntico mistério. Hoje estou aqui a comer um chau min contigo, amanhã posso estar em Sesimbra às voltas com um lavagante.
Nos tempos pré-transição, perguntava-se aos responsáveis da administração portuguesa que conselho dariam aos portugueses que faziam planos de ficar. Franzia-se sempre o sobrolho, dizia-se sempre qualquer coisa vaga (aprendam Mandarim), mas a mensagem implícita era “epá se eu fosse vocês ia-me embora”. O que os portugueses que ficaram fizeram foi “apostar no futuro”, e isso não se faz. Quando alguém nos diz “olha para o ano volto para Portugal” e perguntamos porquê, levamos sempre com um ar agoniado e um encolher de ombros como quem diz “olha, tem que ser…”. Mas tem que ser porquê? Vai acontecer alguma coisa? Sabes de algo que não sei? Se alguém tem mesmo vontade de ir embora, devia fazer um ar feliz da vida, satisfeito, deslumbrado. Dizer com um sorriso “olha a minha casinha já está pronta e a conta está cheia de patacas, portanto lá vou eu, adeus e até ao meu regresso”. Em vez disso ficamos com um taciturno “olha…já chega”, com um “se fosse a ti pensava em arrumar os trapinhos também…”.
Uma das expressões que mais se usa é “o amanhã nunca se sabe”, derivada da velha máxima de que o Boletim Metereológico está sempre errado. Pior ainda é “o futuro a Deus pertence”, como se ficasse Deus encarregado de todos os nossos planos e projectos, e que é inútil mexer um dedo ou planear o que seja. Basta atentar àquele “até amanhã, se Deus quiser!”, não vá o criador ficar mal disposto e mandar-nos um tsunami ou um terramoto de 8 pontos na escala de Richter, e já não nos vermos amanhã. Uma forma muito curiosa de responder quando não se quer assumir um compromisso é o “sei lá se estou vivo”. A esposa pergunta ao marido “querido, e se pintássemos a casa em Janeiro?” ao que o manganão responde “ó filha sei lá se amanhã ainda estou vivo, quanto mais em Janeiro?”. É o faduncho do pessimismo. De todos, os portugueses devem ser os que menos falam dos planos para depois de se aposentarem. Quer dizer, alguns falam, os que estão a um ou dois anos de consegui-lo.
Mas voltando a Macau. Ficámos cá mais de quatro séculos e por incrível que pareça, em vez de qualidades que davam um jeito enorme aos novos senhorios, transmitimos também este pessimismo, esta hesitação. Em vez de passarmos sabedoria, passámos “nuncasesabedoria”. Como vai ser o artigo 23, afinal? Bem, nunca se sabe, em princípio não sei quê. Vai-se candidatar a um cargo no próximo Executivo? Não sei, é possível, mas tal. Quem vai ser o próximo Chefe do Executivo? É cedo, faltam meses (meses, vejam só), não se deve especular. Nunca se viu tanta gente com tanto medo de falar para não dizer asneira. É o medo patológico da mundança. É o receio que chegue aí um maluco qualquer e – esta expressão é curiosa e muito utilizada entre os pessimistas – “acabe com Macau”. Se for tudo como no pré-99, então estou optimista. Lá vai a montanha parir mais um rato. E só contam mesmo os que ficam, não é assim mesmo?
Pois cá estou eu em Sesimbra, mas os Lavagantes foram comidos quando o vencimento éra em Patacas e não em €uros.....
ResponderEliminarUm abraço
Jorge Santos
Excelente análise, e concordo 100% consigo.
ResponderEliminarGostei particularmente da "farpazinha" subtil que envia ao JRD.
Aliás os disparates que ele tem debitado recentemente em relação a esse assunto (você sabe qual) mereciam só por si um post seu. Não acha?
Importante é sentirmos bem onde estamos.
ResponderEliminarno inicio os post deste genero parece interessante, mas parece algo repetivo, basta ver que ja ha pouca gentea comentar
ResponderEliminar