terça-feira, 28 de outubro de 2008

Macau serve-se frio


Macau é uma cidade de Inverno, uma cidade invernal, e às vezes infernal. As cores cinzentas, amarelo pálido ou branco contrastam com os vermelhos, laranjas e os azuis fortes das suas irmãs Goa e Malaca. Em Macau predominam os castanhos, os ocres, os verdes pálidos da batata doce, das castanhas, do gengibre ou da couve seca.

Daí que Macau seja muito mais linda, agradável e interessante na época do frio. No calor Macau é sufocante, apertada, húmida, cansativa. Costumo dizer que se pudesse, passava o Verão em Portugal e o Inverno aqui. As chuvas são no Verão, o intenso calor e a sua incómoda parceira humidade visitam e vão ficando por mais de metade do ano, as roupas colam-se ao corpo, o suor escorre em cascata.

Lembro-me de quando cheguei a primeira vez a Hong Kong, ao sair do aeroporto naquela tarde chuvosa de Junho, senti como que o bafo do Diabo, um vento quente e parado que logo estimulou as glândulas soporíferas. Foram anos até me habituar, e nem hoje sei se consegui. Os melhores dias são os imediatamente anteriores e seguintes ao gelado frio de Janeiro; usa-se uma camisola leve, o sol aquece o ar parado, desligam-se os nefastos ares-condicionados.

Assim, Novembro (depois do Grande Prémio), Dezembro, alguns dias de Janeiro e o período depois do Ano Novo Chinês, até Maio. Este ano foi excepcionalmente frio, o que foi muito bom! O frio é sem dúvida o melhor amigo da moda. Os fatos, sufocantes no Verão, ganham um novo significado. Os casacos, as botas, as luvas, os chachecóis de mil cores passam a ganhar sentido. As meninas ficam mais bonitas de meias e de botas, e mesmo as criancinhas são menos irritantezinhas, imóveis de frio com as suas rubras faces a darem-lhes uma demão de tinta da vida.

E aquele solinho altaneiro e brilhante num dia gelado, a funcionar como que um pequeno aquecedor, e que sabe tão bem quando bate na cara? É o mesmo sol de que só apetece fugir no Verão. Os melhores turistas visitam Macau no Inverno. Os que percebem a beleza taciturna dos cinzentos, da pedra branca e preta. As pessoas mais interessantes que conheci em Macau foi no Inverno.

O frio é ideal para amar, abraçar durante horas a fio, ficar na cama todo o dia e não querer saber de mais nada. Já tenho saudades de dormir todo o dia durante o Ano Novo Chinês, e poder dizer “já sei, é meio-dia, e depois?”. Não há nada como tomar um duche demorado nos dias mais frios do Inverno, aquilo que os ingleses chamam “dead of winter” (precisamos de um tradução urgente para isto), ou de ficar na banheira a apodrecer enquanto se sopra a espuma e se ouve música suave e se bebe um rum.

Mal posso esperar pelo primeiro caril que me faça suar num dia gelado. De beber vodka puro por “noblesse oblige”. A maioria das pessoas engorda no Inverno, o que não acontece comigo. O frio não me abre especialmente o apetite, e para mais o calor puxa sempre à cervejinha gelada, uma desgraça para qualquer dieta. O frio puxa mais pelo vinho tinto, pelos alcoois brancos, as bebidas destiladas.

Chega à mesa a carne de carneiro, o tradicional Tacho, o sempre apetecível ta-pin-lou. Este ano já decidi logo que chegar o frio renovar a minha prateleira de piri-piris e outras malaguetas. Enquanto na Europa já chegou o frio, aqui fico esperando ansiosamente. Quando chegar, vou abrir os braços para recebê-lo, e depois encolhê-los para realmente apreciá-lo. E já mandei o meu roupão favorito para a lavandaria. Portanto, fai-ti, fai-ti!

7 comentários:

  1. Sim senhor, muito poético...
    Mas excluíndo a forma e indo ao conteúdo, tanta poesia para o frio, o inverno...

    Decididamente o Leocardo não está no seu ambiente.
    Acho que estaria melhor em sitios deprimentes tipo Suécia.
    Macau é uma cidade tropical e só quem gosta do calorzinho, da humidade, de t-shirts, calções e mini-saias é que pode gostar de aqui estar.
    E eu estou nesse grupo.
    Inverno? Frio? Ano Novo Chinês?
    Isso só é bom para bazar daqui para fora e passar uma temporada na Tailândia, Malásia ou Indonésia acompanhado de umas bejecas, mariscada picante e umas gajas em trajos menores.

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  2. Em Macau prefiro o frio. No calor a cidade cheiramal, sua-se, é impossível andar e fotografar, a moda de Verão é ridicula. Mas se não gosta do frio, pode tirar férias e procurar paragens mais quentes, claro. Que não são Macau, contudo. Mas é de Macau que se fala aqui.

    Cumprimentos.

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  3. São como Macau, a maior parte do tempo.
    Felizmente aqui o inverno é curto.

    Apesar de para mim ser melhor que ele pura e simplesmente não existisse.

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  4. Não concordo por aí além com esta elegia ao frio e ao cinzento. Revejo-me mais nas cores e no calor de África. Porém, não podia deixar de referir que está aqui uma posta de se lhe tirar o chapéu. Muito bom.

    Abraço.

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  5. Só não concorda quem não precisa de andar de fato e gravata no verão. Dasse!

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  6. Felizmente, como eu nao sou sr.dr., nao tenho de andar de fato e gravata.
    Graças a Deus.

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  7. Eu também não tenho de andar de fato e gravata. Por isso, que se lixe o frio e viva o calor! E, tal como disse outro anónimo, eu gosto de sair de Macau é quando chega o frio. E lá vou eu também à procura do calor, sempre que posso, na Tailândia ou na Indonésia. Mas, como também alguém referiu, isto não deixa de estar bem escrito, opiniões à parte.

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