segunda-feira, 18 de agosto de 2008
A morte do pastel
Fui jantar um dia destes a um restaurante perto do centro da cidade, conhecido por ter sido em tempos um local de encontro entre personalidades da vida política e social do território. Não sendo eu uma personalidade, fui a convite de alguns amigos, e confesso ter ficado curioso, e até entusiasmado. Penso que muitos já terão adivinhado de que restaurante se trata. Fiquei deveras desiludido. A comida, que se diz portuguesa, é bastante medíocre, o ambiente não é nada por aí além, e o preço é, para ser simpático, quase criminoso. Não sei se paguei pelo historial do restaurante, ou se as rendas estão assim tão caras, mas não havia nada que justificasse quase 200 patacas por cabeça.
Os meus amigos pediram a tal “Galinha à Portuguesa”¹, que não passava de alguns pedaços de galinha mergulhada em água de caril. Outros pediram “Arroz Chau Chau à Portuguesa”, que assim se chama provavelmente pelas microscópicas tiras de chouriço presentes entre arroz de açafrão frito com alguma carne. Pedi a vitela assada, algo que quase nunca me desilude. Até agora. Três pedaços de vitela, acompanhada por batatas fritas congeladas (um defeito dos restaurantes sem qualidade) e nem sei se aquela rodela de pepino moribunda era alguma tentativa de salada. Sei que por 120 patacas podia ter comido a mesma coisa três vezes num “on kei”² qualquer, dos que existem aos pontapés por Macau fora.
O que me chamou mesmo a atenção foi os pastéis de bacalhau. Em doses de seis, a oito patacas cada. Por esse preço comprava-se uma saca de dez quilos das batatas que fizeram parte em 99% da confecção daqueles pastéis. De tão batatudos que eram, partiam-se ao meio antes de serem levados à boca. De bacalhau existiam vestígios, e coentros nem vê-los. Fiz uma experiência; comprei duas postas de bacalhau congelado (da aba) por 45 patacas, três batatas grandes por oito patacas, e duas patacas de coentros. Fiz vinte pastéis de bacalhau generosos, cheios de bacalhau, e juntando vinte patacas que sejam (e estou a exagerar...) do alho, do sal, do óleo e do gás, são 75 patacas por 20 pastéis de bacalhau, pelo menos do dobro do tamanho daqueles que referi anteriormente. O que vale por dizer que seis destes pastéis que fizeram a alegria desta casa sairam a mais ou menos 25 patacas.
Já sei que quando se vai a um restaurante tem que se pagar pelo serviço, pela mão-de-obra, e tudo mais. Não é disso que me queixo, mas da qualidade do produto. Não é preciso vender a alma por um pouco de lucro. Sei de histórias de alguns restaurantes em que a salada que sobrava dos pratos de um cliente era lavada e usada no prato do próximo. Outros casos em que o vinho que ficava nos copos era aproveitado num jarro e mais tarde servido como “vinho da casa” (como se na casa haja uma adega...). Nas cozinhas contam-se as histórias horripilantes da porcaria, dos ratos, dos guisados que caem no chão e são de novo postos na travessa. Esses episódios são tão comuns aos restaurantes de luxo como aos restaurantes de lixo.
Na Taipa existem dois ou três restaurantes portugueses que se mantêm mais ou menos genuínos ao conceito de comida portuguesa, outros há que se intitulam “portugueses”, têm resmas de clientes de Hong Kong e do continente levados por guias turísticos (um negócio “entre eles”), e estão sempre cheios! Se me quiserem dizer que este tipo de comida portuguesa é “adaptada ao gosto dos chineses”, então não há discussão possível. São desculpas de mau pagador. E quem fica a perder? A cozinha portuguesa.
¹ Prato macaense de galinha no forno com caril, açafrão e leite de coco.
² Espécie de tasca chinesa onde se podem tomar refeições servidas em travessas de alumínio, a preços bastante acessíveis.
Está a falar do Solmar, presumo?
ResponderEliminarPode ser...
ResponderEliminarO que me chamou a atenção "foram" os pastéis de bacalhau.
ResponderEliminarO Leo ainda tem desculpa, agora aquela notícia do JTM: "Hong Kong pode ser vir a possuir edição local do guia michelin" é que me fez rir um bom bocado.
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