terça-feira, 10 de junho de 2008

Vozes de burro


Está aí o 10 de Junho, para mim o décimo-sexto passado em Macau e oitavo desde a mudança de Administração. Assim como a maioria dos outros portugueses, hoje foi um dia de trabalho como outro qualquer, assim como são o 25 de Abril, o 5 de Outubro ou o 1º de Dezembro. Este dia fica como sempre marcado pelo içar da bandeira no Consulado Geral, toca suíno, faz-se a romagem à Gruta Camões, este ano sem chuva, e vai-se ao pastel na residência oficial do Cônsul-Geral, no único dia do ano em que o Hotel Bela Vista abre as portas ao público. As individualidades usam bolas de Natal na lapela, e celebra-se a nossa prezada portugalidade.

O que dizer da nossa comunidade de resistentes neste Macau tornado RAEM? Diz-se que a “comunidade está bem adaptada à nova realidade”. Pudera. A realidade alternativa sabemos muito bem qual é. Os portugueses chegam a Macau, vêem, e normalmente vencem. Vive-se melhor aqui do que em Portugal. As distâncias são mais curtas, as férias podem ser passadas em locais paradisíacos longe do alcance da bolsa do tuga normal, e a pressão é praticamente nula. Que o digam os portugueses da República que não podem jantar fora todos os dias ou ter uma empregada a tomar conta da casa e dos miúdos a tempo inteiro. Mas no fundo o impacto da comunidade portuguesa na RAEM é nulo.

O que se passa com a comunidade portuguesa afinal? Porque são sempre os mesmos a falar em nome dos dois ou três mil que aparantemente temos por aí? Por vezes as entrevistas entram num ciclo vicioso em que já não há nada para perguntar e repete-se a mesma conversa, sem que exista um contributo real para os interesses do grupo. Onde andam os tais jovens técnicos especializados que por aqui têem aparecido? Mesmo os que merecem destaque no âmbito das artes e do audio-visual não ficam o tempo suficiente para usufruir dos seus 15 minutos de fama.

Olho bem para a minha lista de amigos – os que convido para as festas – e não vejo portugueses. Olho para a lista dos contactos no telemóvel e só vejo dois ou três. É comum quando estou a acabar de conversar com um compatriota na rua e chega outro que me pergunta “Quem é?”. Respondo "é fulano tal" e levo sempre com uma reacção do tipo "não sei quem é". O que se espera é que eu dê a informação completa do indivíduo, com quem anda e quem conhece, ou a que associações está afiliado. Se não "pertence", não existe.

O que me leva à questão do associativismo. Há por aí mil e uma associações, que além de só servirem para dividir, algumas nem sei bem para que servem, a não ser para que os seus elementos possam “aparecer”. Em algumas, e passo o exagero, todos são presidentes, vice-presidentes, presidentes ou vice-presidentes da mesa da assembleia e do conselho fiscal. Chego a pensar que deve ser para poderem mandar as fotografias (onde se empurram uns aos outros para aparecer na frente) e mandar para a santa terrinha. “Olhe dona Alzira, o meu filho já é vice-presidente da Assembleia Geral da Associação dos Tomateiros do Bairro do Iao Hon”. “Ai sim dona Gertrudes? Um dia ainda chega a presidente de Macau!”

Depois os critérios de formação destas associações são mais ou menos duvidosos. Imaginemos uma hipotética “Associação dos Batuqueiros de Macau”, formada por dois ou três adeptos da batucada. Apressam-se a convidar uma ou duas “personalidades” para sócios honorários, que entrem com o "chinchin" (e às vezes enganam-se) e mais a meia dúzia de amigos do costume, em vez de solicitar a presença de quem é realmente apreciador da arte do batuque. É o síndrome das elites intrínseco a estes ajuntamentos. Depois há aqueles que se oferecem para fazer, cozer e assar e no fim acabam por não fazer nada.

O ideal mesmo seria uma associação de portugueses, ponto final. Os que são portugueses independente de serem advogados, arquitectos, engenheiros, funcionários públicos, do Benfica, do Sporting, do Porto, alentejanos, alfacinhas, tripeiros ou madeirenses. Menos desconfiança e mais união é o que falta realmente. Chega de andar a cheirar os rabos dos outros como fazem os cães. Será que estas vozes de burro chegam a esse céu?

8 comentários:

  1. ao fim de 31 anos, o Senhor Presidente da Repúblicou reabilitou o Dia da Raça, como parte integrante do Dia 10 de Junho, Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.

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  2. União? Com união deixavam de ser portugueses, já que a inveja é uma das maiores "qualidades" lusitanas.

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  3. fale por si ou pelas qualidades das pessoas com quem se relaciona...nunca ouvi semelhante coisa em relacao aos portugueses...

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  4. Concordo a a última mensagem.
    Já em antigo português se dizia "Diz-me com quem andas dir-te-ei quem és".

    bem que a presidente da casa de portugal tentou defender e desculpar o governo socialista na TDM devido ao atraso e falta de comparência na cerimónia do içar da bandeira, mas mais uma vez, saiu-lhe o tiro pela culatra a defender seus camaradas, o representante socretino desiludiu a comunidade e referiu apenas uma vez no seu discurso "Macau".

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  5. Anónimo das 3:59, nunca ouviu tal coisa? Até o povo o diz: "A galinha da minha vizinha é maior do que a minha".

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  6. Caro Leocardo, excelente artigo. Pertinente, e importante.

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  7. creio que para criaccao de uma associacao precisa deter no minimo 5 associados..mas tentei ver na legislacao nao encontro nada sobre isso que confirma tal

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