quinta-feira, 12 de junho de 2008
Os males da corrupção
A corrupção é um mal que mina a sociedade. Um mal pior que o homicídio, já que pode ser responsável pela morte ou pela pobreza de milhares de pessoas. Imaginemos um político corrupto que aceita dar a concessão da construção de uma ponte ou de um edifício a uma empresa incompetente, e mais tarde a queda da infra-estrutura provoca uma tragédia. Basta olhar para o exemplo do terramoto em Sichuan, em que os pais acusam os construtores da pobre qualidade da construção das escolas que ruíram e onde os seus filhos perderam a vida. Outro exemplo: outro político corrupto concessiona uma obra a certa empresa, em prejuízo de outras, algumas que por falta de projectos podem fechar as portas deixando centenas de trabalhadores no desemprego.
Em Macau o combate à corrupção é feito pelo Comissariado Contra a Corrupção (CCAC), bastante criticado nos últimos tempos por certos sectores da sociedade. O maior feito do CCAC prende-se com a detenção em 2006 do ex-secretário Ao Man Long, acusado e condenado por vários crimes de corrupção passiva e branqueamento de capitais, num processo com enormes ramificações que se alastram por familiares de Ao, empresários, e até outros detentores de cargos públicos, em que muito do que se especulou não ficou provado, e que promete fazer correr ainda muita tinta.
Sinceramente sei muito pouco sobre o CCAC. Não sei o que se faz por lá, desconheço as competências do comissariado, e não temo porque não devo. O que sei leio nas páginas dos jornais: funcionários públicos indigitados por apropriação indevida de somas irrisórias de dinheiro, por truques de manga ou por receberem indevidamente alguns subsídios, nada que, segundo dizem alguns opinion makers, justifique a própria existência de uma autoridade que se encarregue deste tipo de casos.
Sinto que aquilo a que o CCAC considera "transparência" não é mais do que um obstáculo à própria natureza humana. Todos, mas mesmo todos nós já fizemos qualquer coisa de ilegal, ou pelo menos de irregular nas nossas vidas. Bolas, eu próprio roubava limões do quintal da vizinha e cheguei a andar no metro em Lisboa várias vezes sem pagar. O que se passou em Macau nos tempos da administração portuguesa foi, e como disse muito bem o Carlos Morais José, a corrupção de balcão típica das sociedades coloniais, aquilo que alguns chamam "o óleo que faz a máquina funcionar mais depressa".
Para saber como foi, basta olhar para o tal relatório da PIDE do final dos anos 60, que denunciava o clientelismo no seio da Administração de Macau como "uma coisa normal", e a que era praticamente obrigatório aderir. Um amigo meu, funcionário aposentado, contou-me que um dia fez um favor a uma senhora que lhe quis pagar. Ele recusou e ela retorquiu com um pasmado "Porquê? Não chega???". Em alguns casos o tal pagamento por debaixo da mesa servia para "salvar a face" do utente, que ficava ofendido se o funcionário não aceitava. No Natal e no Ano Novo Chinês eram comuns as cestas de supermercado ou os lai si. Tudo isso mudou. Quando são emitidas recomendações do tipo "não manter relações de amizade com advogados ou empresários" as pessoas têm medo. Quem tem medo não denuncia. Cala.
Isto tudo a propósito de um artigo na edição de hoje do Hoje Macau sobre o impacto do programa pedagógico do CCAC na moral infantil. Leio na excelente peça do HM (pode ser acedida aqui) que as crianças costumam “pedir prendas”, e que o Comissariado lhes quer passar a mensagem de que é errado “conseguir coisas sem fazer nada por isso”. Vá lá, não creio que se as crianças pedem uma caneta ou um porta-chaves, ou que aceitam um rebuçado do dentista ou um chocolatinho do médico, se vão tornar adultos com um apetite mordaz pelos bens e pelo capital, e sem olhar a meios para os obter.
E do que se trata essa história de "encorajar as crianças a denunciar"? Será que devem denunciar se os pais levam garrafas de whiskey ou barbatanas de tubarão para casa? Um dia estava eu numa loja perto de casa com o meu filho mais novo a comprar umas cervejas. Enquanto o rapaz colocava as garrafas no saco, tirei de uma goma com sabor a banana e comi. O meu filho imediatamente denunciou-me, no seu melhor cantonense, dizendo que "roubei um doce". Inocência infantil de quem tinha apenas dois anos. Hoje tem oito e jamais faria tal coisa.
Leio ainda na mesma peça que um grupo de alunos da Escola Portuguesa, no âmbito da “Semana da Integridade” fez uma peça sobre uma Cinderela corrupta (?!), que tenta subornar a fada-madrinha para que a deixe “brincar” para lá da meia-noite. Se por vezes se podem acusar estes adultos em ponto pequeno de falta de imaginação, às vezes sofrem é de imaginação a mais. Então não existem mil e uma fábulas que retratam este fenómeno? Conhecem a fábula do “Gato das Botas”, em que um gato suborna um rei para que o seu amo caía nas suas boas graças? E o “João e o pé de feijão”, em que um petiz rouba um castelo nas núvens, pertecente a um gigante, ou ainda “O rei vai nú”, em que dois alfaiates sem escrúpulos enganam um monarca, fazendo-o pagar por uma fatiota inexistente? Agora tornar a Cinderela num ser corrupto com o simples propósito de prolongar uma noite de ostentação e luxúria? Não havia necessidade.
Encorajar as crianças a denunciar é o que faziam os nazis (conhece o filme «Fatherland», com Rutger Hauer?) e os estalinistas.
ResponderEliminarIsso de encorajar as crianças a denunciar faz lembrar o "1984" de Orwell
ResponderEliminarAqui, pelo menos, ainda houve um caso Au Man Long. Em Portugal, quando haverá um caso a condenar um político? Talvez no dia de São Nunca à tarde. Agora andam a tentar convencer os portugueses de que os grandes corruptos estão no futebol. Só os tolos podem acreditar nisso. Mas tolos é o que não falta por lá...
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