sexta-feira, 16 de maio de 2008

E as minhas 200 lecas?


Na edição nº 77 da Revista Administração deliciei-me e reflecti muito sobre o excelente trabalho de Luís Pessanha, assistente da Faculdade de Direito da UMAC, autor do artigo intitulado "O Jogo de Fortuna e Azar e a Promoção do Investimente em Macau". Entre texto de elevadíssima qualidade, que revela um estudo profundo sobre a matéria do papel do jogo na economia e vida do território, e cuja leitura recomendo vivamente, destaco esta nota de rodapé:

Podem encontrar-se algumas referêrencias esporádicas ao jogo em Macau desde meados do século XVIII, tal como na conhecida escrita de José Maria de Jesus, padre Franciscano em Macau entre 1742 e 1745, que se queixava que à data abundava a "vadiagem, ladroagem, vigarices, jogo, bebedeiras, desacatos, batota, assassinatos, e outros vícios semelhantes", em Macau.

Não mudou muito, portanto. Como todos sabemos bem, a economia de Macau depende do jogo. Pode-se mesmo dizer que o fim do jogo seria a ruína, a falência de Macau. O seu fim. Mesmo a segunda maior indústria - o turismo - é altamente dependente do jogo. Não sobreviveria em circunstância alguma sem os casinos. A indústria têxtil, conhecida pelo seu grande desenvolvimento nos anos 70 e pela qualidade do seu produto final, foi perdendo espaço e mesmo mão-de-obra para o jogo.

Depois do falhanço rotundo que foi a ideia da diversificação da economia, e do grande elefante branco em que se tornou o Parque Industrial da Concórdia (a intenção era boa, mas a abertura idealizada por Deng levou a indústria para Shezhen, mas isso são contas de outro rosário), chegou-se ao “ponto de rebuçado” da economia dependente do jogo, de modo que algumas notícias que dão conta que outros países e regiões querem também entrar no mercado chegam a tirar o sono aos operadores locais.

Sinceramente duvido do sucesso de um concorrente como Taiwan ou Singapura, pelo menos a curto ou médio prazo. Falta-lhes o know-how tão essencial para que o projecto arranque. No fundo Macau benificia do factor geográfico, e do fluxo de jogadores da China continental. Para o jogador chinês médio pouco importa o glamour, ou a qualidade do serviço. O que querem mesmo é um local onde jogar. Basta observar como em qualquer varanda se joga mahjong, ou onde junto dos mercados se vêem homens de cócoras a jogar xadrez chinês.

Numa conferência sobre o jogo e a sua influência sobre a sociedade a que atendi em 2001, lembro-me de um dos oradores ter dito, quando lhe foi perguntado que efeitos nefastos sobre a vida dos residentes os casinos poderiam ter, que “a população de Macau conhecia o truque”, e que deixava o jogo “funcionar a seu favor”, o que arrancou algumas gargalhadas da plateia, não pelo que tinha acabado de dizer, mas mais pela forma entusiasmada como o disse.

Mas não necessariamente. Todos conhecemos casos de jogadores crónicos, famílias inteiras endividadas, casos de heritariedade, que jogam o que têm e por vezes o que não têm, suicídios, vidas completamente destruídas. São muito comentados os casos de idosas que passam dias a fio nas slot machines, e mesmo de algumas mortes por desidratação ou fadiga (boatos? exageros?) que ocorrem no interior dos casinos. Velho ditado chinês: “emprestar dinheiro para comer, não tenho, mas para jogar, empresto sempre”.

Felizmente nunca caí nas mãos desse monstro de neon. Não percebo a maior parte dos jogos, mas confio nos meus amigos que me dizem que uma vez que se chega num casino "a cabeça fica lá fora". Uma coisa que nunca percebi nem quero perceber é como há quem chegue a um casino com uma nota de cem, esteja a ganhar vinte mil e em vez de ir para casa e festejar com uma garrafa de Möet & Chandon, continua a jogar e perdem tudo! A única vez que joguei no casino perdi 200 patacas nas slots. Ainda hoje penso nessas duzentas lecas. Hélas.

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