sexta-feira, 25 de abril de 2008

Uma carta de Abril


Não percas tempo aprende que o sol já lá vem.
Vá não demores aprende que a hora é de tu assumires o comando.


José Mário Branco, “A Mãe”

Passam hoje 34 anos desde que o Movimento das Forças Armadas (MFA) blah blah blah de madrugada blah blah blah. Já se sabe. Os leitores deste blogue são pessoas informadas e inteligentes que não se deixam dormir depois de três quatro linhas de prosa. O que sempre me deprimiu são aqueles programazecos assim do tipo “Lentes de Contacto” que saiem para a rua e perguntam a adolescentes e pré-adolescentes o que foi o 25 de Abril. A maioria responde “não sei” (quando às vezes queria era dizer “não me chateie”), alguns do tipo intelectual e menino bem que começam a debitar o que aprenderam nos livros, e ainda outros que respondem “é Feriado”.

Das discussões de elevadíssimo caril filosófico (eu sei que é cariz, mas gosto mais de caril) que tenho com o colega R., brotou uma ideia. Será que daqui a 50 anos ainda se comemora o 25/4? Será que os tugas acomodados do futuro vão dar importância à data? Será que continuará a ser feriado? É uma questão pertinente, pois cada vez mais se assistem a manifestações de desagrado com o presente, de forte componente saudosista. Já se sabe; são os velhotes que lembram como um pão custava quinze tostões, ou de como se comprava não sei o quê com 20 paus, ou a pior de todas, de como havia “respeito”.

Depois há o revisionismo histérico (já sei, histórico), de que o 25 de Abril foi “ilegítimo”, de que as nacionalizações foram “ilegais”, de que o PREC foi “uma tragédia”. Ah pois foi, mas de pequenas tragédias dessas é feita a nossa História, a reconquista, as descobertas, a República, o Estado Novo, a Guerra Colonial, enfim, só desgraças. Eu por acaso até gosto de olhar para as imagens da revolução e do PREC. Malta gadelhuda, calças de flanela e boca de sino, mulheres sem soutien, tudo a preto e branco num estilo muito kitsch.

Por acaso o argumento de que o 25 de Abril foi mau colhe bastante entre muita malta nova que por aí anda. Perdoai-lhes Buda que eles não sabem o que dizem. Quiçá são algum tipo de masoquistas que gostam da opressão, da censura e da Guerra. Que não tiveram nenhum familiar preso em Caxias ou Peniche (ou tiveram e não querem saber) e que nem fazem ideia do medo com que o cidadão médio vivia, nem do clientelismo que vigorava na sociedade. Como já disse aqui inúmeras vezes não partilho os ideais de esquerda, e Diabos me levem se iamos sair de uma ditadura para cair noutra. Mas o que foi alcançado neste dia foi mais do que qualquer conquista ideológica, foi uma porta que se abriu, e que só o nosso fatalismo lusitano impediu que se fosse mais longe.

Mas os extremos por vezes tocam-se. Já alguns esquerdistas badamecos têm muito a mania de atirar aquela pergunta em tom inquisitório: “onde estava no 25 de Abril?” (estou a falar de si, meu caro BB!), como se daí dependesse qualquer tipo de posicionamento democrático ou anti-democrático. O actual presidente da República, Prof. Cavaco Silva, foi criticado em alguns quartéis por ter dito que ficou em casa, pois os seus meninos “eram muito pequeninos”. Eu sinceramente não me lembro bem onde estava nesse dia. Provavelmente dormi muitas horas, mamei, babei-me e borrei algumas fraldas. Eram umas fraldas reaccionárias, aquelas.

Os artistas convidados a orar no 25/4 recordam sempre aquele dia como se pertencesse a um Portugal distante, obscuro. Nos primeiros anos ainda tinham um ar mais sério, mais grave, usavam termos como “luta de classes”, “camaradas” ou “pequena burguesia”. Falavam para um plateia composta por indivíduos carrancudos, de bigode e casaco de ganga. Hoje aparece lá a esquerda conhaque, que ri dos tiques revolucionários de outrora (e até abana a cabeça em tom reprovatório enquanto ri, estilo Jorge Coelho), e se calhar até pensam “como foi possível?”. Éramos mesmo uns “ganda” malucos.

Em Macau o Dia de Cravos bateu com pouca força. É uma sociedade muito conservadora que se pela pelos santinhos, missas e procissões. Talvez seja por isso que alguma da beatada da metrópole se deu tão bem com os ares de cá. Talvez por isso não compreendam que afinal é o povo quem mais ordenha (ordena, bolas!). As actividades do 25/4 resumem-se ao feriado no Consulado, da Escola Portuguesa, e ao protocolo da praxe. Sempre presentes estão os habituais papa-eventos, que vão lá seja qual for o orador. Seja o Manuel Alegre, o Adelino Gomes ou o Major Tomé, alto lá que a fila da frente é do sôtor.

Ainda ontem na EPM realizou-se um mini-concerto pelos alunos do 1º ciclo em que se cantaram as costumeiras canções abrilistas. O “Grândola Vila Morena” e por aí fora. Já enjoam, sinceramente. Nem quero saber se o “Grândola” é o hino do 25/4, como disse muito bem a Paula Balonas. Começa a ficar parecido como “Atirei o pau ao gato”, das vezes que é repetido entre as crianças. E que tal ensinar aos jovens as canções do Zé Mário Branco? Ou mesmo outros tema do Zeca, também menos politicamente correctos mais com igual verve revolucionária, assim do tipo “Traz outro amigo também” ou “O que faz falta”.

Na Segunda-Feira foi convidado no programa Câmara Clara o José Barata Moura, filósofo e um dos baladeiros daquele tempo, mais conhecido pelas músicas infantis de que foi autor, como “Joana come a papa” ou “Fungagá da Bicharada”. A certa altura Paula Moura Pinheiro perguntava-lhe em tom inquisitório porque é que carregava as canções de mensagens políticas. Gostei da resposta de JBM, mas principalmente da ideia de que é preciso deixar de tratar as crianças como se fossem atrasadinhos mentais e largar o conceito de que uma canção infantil tem de ser sobre um animal giro ou algum conceito torpe.

Pessoalmente penso que a lição de Abril, mais que as suas bases ideológicas, era uma lição que até podia ser ensinada sem se perder na conjuntura própria dos anos 70. Procurar uma analogia entre o que se passa hoje e aquilo que Abril nos ensinou. É preciso demonstrar mais que nunca que o todo faz a força, e de que parar é morrer. Não são preciso mais revoluções, nacionalizações ou qualquer tipo de radicalismos. Basta um pouquinho de vontade. Ah mas ainda bem que temos pelo menos um dia para nos lembrarmos que na volta, ainda vem alguém com coragem para bater o pé…

Nota: como podem observar, este foi um dia dedicado ao 25 de Abril neste blogue. A habitual rubrica das sextas-feiras Leituras será publicada amanhã, bem como a restante programação.

8 comentários:

  1. O 25 de Abril foi aquele dia em que Portugal foi vendido ao desbarato à Europa, não foi? Se a memória não me falha, foi logo após essa data que os portugueses fugiram de Timor, deixando-o aos indonésios, o ouro fugiu dos cofres, deixando muitos bolsos cheios, e quis-se também fugir de Macau à pressa mas os chineses não deixaram. Ah, então está bem.

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  2. Não, não foi nesse dia, foi depois. Já se sabe que a História depois do 25/4 (até hoje!) foi cheia de equívocos e erros crassos, mas e que tal tentar perceber o significado da revolução em vez de apontar o que de mal foi feito depois disso? A não ser que me queira dizer que Portugal "estava melhor" antes do 25/4, aí não há discussão possível.

    Cumprimentos

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  3. Esse não foi o dia em que COMEÇOU o FASCISMO EM PORTUGAL?

    Mandatos de captura em branco assinados por Otelo,famosas cartas do pulha Rosa Coutinho, ladrões-e-mais-ladrões-de-ocasião-ex-carpideiros-da-morte-de-salazar (Otelo SC)... tudo boa gente, tudo gente invejosa quando batia com os ossos na tropa, tudo com mesquinhices, porque não queriam que os milicianos tivessem as mesmas condições de acesso como os da academia. O 25/4 foi isso mesmo, e ainda mais, o fraco do Marcello que não falava com o Spínola, nos últimos dias do regime passou a receber Spínola em casa, estavam todos ao corrente de tudo.
    O regime caiu por ele, sem que tivesse havido necessidade de o derrubar.
    SALAZARISMO ACABOU QUANDO MORREU SALAZAR.

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  4. Amigos meus foram presos sem culpa formada, sem julgamente, sem nada, em Caxias, uma outra jornalista também presa e violada, essas sim foram as conquistas do FASCISMO implantado até hoje.

    Gente de matriz revolucionária só a canalhada da selvajaria, pudera que Edmund Burke tanto os menosprezava.

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  5. Caro Leocardo, sou o anónimo das 17:52. Não, Portugal não estava melhor com Salazar, longe disso. Mas, na verdade, o Salazarismo acabou em 1968. O Marcelismo é outra coisa. As coisas iam mudando paulatinamente, como tem de ser. As pressas nunca trouxeram nada de bom, como qualquer um pode ver hoje mesmo, com a fúria legisladora desse Salazar da democracia que é o Sócrates. A opressão ia dando lugar a uma maior abertura (o que vai sucedendo na China, devagar, como deve ser). Queria ver os heróis de Abril no Salazarismo puro e duro. Tinham sido silenciados, tal como todos os outros que tentaram o mesmo antes. Limitaram-se a aproveitar o desmoronar do regime, e viram aí uma oportunidade de ouro. Não me parece que as intenções fossem más, o resultado é que foi catastrófico. Aí está o Portugal de hoje para o confirmar. Portanto, Portugal não estava melhor. Mas estava a melhorar. Hoje está a piorar. Eu percebo o significado da Revolução. Já deixei foi de a festejar, porque entretanto me convenci de que sem Revolução nenhuma, deixando as coisas seguir o seu rumo normal, Portugal seria hoje um país democrático na mesma, e ainda por cima com uma democracia muito mais sadia. Cumprimentos.

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  6. Grande Anónimo último, MUITOS PARABÉNS! Isso sim é falar claro!

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  7. por acaso até devia ser girissimo as criancinhas da primária a cantar alegramente o "... quando o pão que tu comes sabe a merda..." seria por certo algo... REVOLUCIONÁRIO!!!

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