sábado, 19 de abril de 2008
O requinte na versão chinesa
Passei esta manhã pelo café Starbucks, e à minha frente tinha três turistas do continente, que tomavam café preto, mais conhecido por "Americano" naquela multinacional dos States. Dirigiram-se à "mesa dos temperos" e lá usaram tudo a que tinham direito: a baunilha e o chocolate em pó, a noz-moscada, o leite gordo e magro, e apesar de terem à sua disposição toda uma variedade de pacotes de açucar, insistiam em usar o shaker, e até mesmo o xarope. Tivessem pedido um copo de água a ferver e tinham inventado uma bebida nova.
Durante os últimos anos o turista endinheirado, originário das mais diversas províncias da China, tem procurado comprar o requinte das mais variadas formas. Por um lado isto é positivo, uma vez que traz ao continente mais conforto e variedade tanto para os seus residentes, como para turistas e estrangeiros. Apareceram mil e uma opções e mil e um sabores. Os 7-11, os Starbucks, as restantes multinacionais americanas mas não só. Até os restaurantes italianos, franceses, espanhóis e outros começaram a nascer nas cidades chinesas como cogumelos.
O consumidor chinês médio gosta do que é estrangeiro. Pelo menos essa é a sua ideia de requinte. Um amigo meu dizia-me uma vez, irritado pela falta de bilhetes para o Festival de Música de Macau, que os chineses "viam a Opera para se sentirem brancos". Não partilho desta visão redutora, até porque eu próprio sou um adepto da ópera chinesa e não a vejo para me "sentir chinês", mas a sua afirmação tem um fundo de verdade. Alguns são capazes de ver a Opera pelo "estatuto", e não por serem realmente apreciadores do belcanto.
Basta olhar a cada vez que aparece em Macau uma novidade. Seja o KFC, O Deli France ou um restaurante chic (com "c" na ponta), é praticamente impossível ir lá nos primeiros dias. Mas depois passa-lhes. Veja-se a Doca dos Pescadores, por exemplo, era impossível caber mais um alfinete na inauguração, mas passado alguns dias já estava às moscas. E quantas vezes fiquei a fazer cruzes na fila para comprar um gelado porque algumas madames não sabiam se iam escolher zuppa inglesa, cherry vanilla ou pistachio. Quanto mais "off limits" for o sabor, melhor.
Lembram-se da moda do conhaque? Foi há mais ou menos 10 anos, quando o Rémy Martin V.S.O.P. e outra porcarias que só se servem a vítimas de tempestades na neve fez furor na região. Os gajos compravam garrafas atrás de garrafas daquilo, quanto mais caras melhor, e chegavam a beber conhaque às refeições! Quando acordavam no dia seguinte com uma ressaca monumental e milhões de neurónios mortos, deviam interrogar-se "como conseguem os kwai-lous beber aquilo? São estratégias de marketing.
E por falar em marketing, para quando se cumprem as promessas de alguns casineiros que diziam trazer para cá a Sogo, a Marks & Spencer e outras multinacionais de qualidade? É exasperante ir a Hong Kong, Taipé ou Cantão e comportar-me quando um autêntico saloio quando entro nos supermercados e vejo a frescura e a qualidade que é impossível encontrar em Macau. O pior é que não levo comigo o carro para levar tudo o que quero para casa.
Cada vez que viajo ao continente é notório o esforço que é feito para melhorar em todos os aspectos. Os hotéis de quatro ou menos estrelas, por exemplo, fazem o que podem para se equipararem aos níveis de exigência ocidentais. Diria mesmo que fazem um esforço heróico para que tudo corra pelo melhor, os seus empregados são especialistas na arte de receber e falam no melhor inglês que podem. No entanto ainda muita gente traz o próprio champô e ainda não se come o chocolatinho de mentol que fica em cima das almofadas.
É preciso no entanto perceber que nada isto era possível há 20 anos. A China evoluiu muito, saiu de um quase nada. Quando Deng Xiaoping idealizou as reformas, teve que se debater com a resistência dos mais conservadores. Imaginem o que "o pequeno gigante" diria hoje olhando para o país do meio. Os mais críticos do regime falam das diferenças gritantes entre ricos e pobres. Há alguns anos as diferenças eram entre pobres, muito pobres e paupérrimos. Pessoalmente considero estas diferenças mais graves em países com democracias sólidas com séculos de experiência É preciso deixar viver, e as coisas acontecem naturalmente. Até o tal requinte.
Concordo consigo, caro Leocardo.
ResponderEliminarEstive há uns meses num supermercado em Zhuhai que em termos de frescura e variedade dos produtos era comparavel com qualquer Continente ou Pão de Açúcar em Lisboa. Coisa que é impossivel de se ver em qualquer San Miu ou Welcome aqui do burgo. E seria bom quem em todos os hoteis de 4 ou 5 estrelas em Macau os restaurantes chineses tivessem um menu de yam chá em inglês e pelo menos um empregado que arranhasse umas coisas na lingua de Shakespeare, coisa que eu vejo em qualquer hotel desse nível na China. E não estou só a falar de grandes cidades
Pois é, mas cá em Portugal em certas zonas ainda acontece o semelhante que aconteceu como conta no Starbuck. Por exemplo, os buffet que geralmente são servidos nos hóteis, há muita gente que não sabem como comportar numa situação dessas mesmo aqui, isso é fora da grande Lisboa e do grande Porto...mas pouco a pouco também chegam lá e nem todos os kuai lous tem aceso a coisas chiques.
ResponderEliminarO que decerto dará bom negócio na RPC ou até nas RAE's será o da educação privada de modo a (re)criar novas elites aristocráticas chinesas. Com tais instituições, de certo que a brejeirice começa a desaparecer e surgirá uma sociedade chinesa melhor de volta às suas origens sofisticadas e refinadas da História.
ResponderEliminarCaro Leocardo,
ResponderEliminarO que os chineses patos bravos e borgessos precisam de uma educação com as seguintes preocupações:
«"To be bred in a place of estimation; to see nothing low and sordid from one´s infancy; to be taught to respect one´s self; to be habituated to the censorial inspection of the public eye; (...) to have leisure to read, to reflect, to converse; (...) to be taught to despise danger in the pursuit of honor and duty; (...) to possess the virtues of diligence, order, constancy, and regularity, and to have cultivated an habitual regard to commutative justice: these are the circumstances of men that form what I should call a natural [as opposed to feudal]aristocracy ." Edmund Burke, 1791
"It is well to be a gentleman, it is well to have cultivated intelect, a delicate taste, a candid, equitable dipassionate mind, a noble and courteous bearing in the conduct of life - these are the connatural qualities of a large knowledge, they are the objects of a University." John Henry Cardinal Newman, 1854»
Saudações,