domingo, 30 de março de 2008

A minha mulher da China


Para se perceber o amor em chinês é preciso ter um conhecimento profundo da mulher chinesa. Não querendo aqui meter a colher na sopa da Ana Cristina Alves, que a propósito lançou há duas semanas um livro, “A mulher na China” que me deixou sublimado, gostava de partilhar algumas opiniões e experiências em forma de divagação.

Se me tivessem dito há 20 ou mais anos que hoje estaria casado e com filhos de uma moça chinesa eu dizia: “estão mas é todos malucos”. Eu gostava era de suecas loiras, ruivas sardentas e mulatas de Angola. Uma vez namorei com uma tipa tão parecida comigo que ainda hoje penso que foi por algum narcisismo ou alguma coisa assim. O pior é que ela pensava o mesmo! Mas chinesa? Qual, aquelas que vendiam Casios na Praça do Comércio? Cabeça redonda e olhos em bico?

Mas uma vez em Macau, existe uma possibilidade de 70% de casar com uma moça de cá. Os restantes 30% consistem na convicção que 1) não vamos ficar por cá portanto o melhor é encontrar uma moça tuga com que possamos fazer planos futuros ou 2) tenho mais de 50 anos e é melhor contentar-me com uma filipina/tailandesa/vietnamita que me ajude a mudar as fraldas daqui a vinte anos. No caso dos primeiros, já vi muita confusão. Ele era moços do Porto com gaiatas de Setúbal, ou alentejanos com minhotas. Um caso sério. Outras vezes demoram a voltar, ou nunca voltam, fartam-se um do outro e divorciam-se.

É espantosa a forma como os jovens chineses fazem a corte. Tenho um colega que namora outra colega minha. Lembro-me quando ela lá chegou. Ele gostou imediatamente dela, mas demoraram meses até chegar a trocar umas palavras. Ele conseguiu suportar a humilhação de ver outros menos bem intencionados a mandarem piropos à menina. Não sei se isto é a tal paciência de chinês ou se estou demasiado habituado à nossa aproximação latino-mediterrânica que por vezes acaba em tragédia, como em “Romeu e Julieta”.

A vertente romântica também não é propriamente o que estava habituado . Lembro-me quando comecei a sair com as meninas daqui que demorei a adaptar-me a certas e determinadas coisas. A linguagem para começar. Quando dizia a uma menina que ela era bonita ela dizia “oh por favor não, quero vomitar”, ou ainda “quero morrer”. São idiossincrasias que custam um pouco a aceitar no início. Claro que a doçura varia de acordo com a menina, mas as relações estão longe de ser hoje um dia um “Madame Butterfly” ou aquele anúncio da sopa chinesa da Maggi.

Mas estão muito mais audazes os jovens chineses nos tempos que correm. Pode-se dizer que começaram nos últimos anos a descobrir as virtudes do sexo pré-marital, das amizades coloridas, dos contraceptivos como opção, enfim, tudo aspectos a ter em conta numa sociedade que, pasme-se, é ainda mais conservadora que a nossa. Para eles ainda somos muitas vezes vistos como os “bárbaros” que em tempos tomavam à força o que havia onde chegavam.

E depois vem o casamento. Só o dia do casamento propriamente dito tem muito que se lhe diga. Aquilo começa de manhãzinha e acaba na madrugada seguinte. Obedece a um cerimonial imenso em que é praticamente requerido que se ponha um pé à frente do outro correctamente. Aquilo parece caríssimo, dezenas de mesas, sem olhar a despesas com vestidos e jóias para a noiva. Mas acaba por ser lucrativo, pois ao contrário dos casamentos ocidentais em que se oferecem pratos, lençois e porcarias que não fazem falta nenhuma, aqui é dinheiro. Dinheirinho vivo.

Tem-se por vezes o terrível hábito de fazer a nubente adoptar o apelido do noivo, e às vezes com consequências trágicas: acontecem as Chang Mui Mui da Fonseca ou as Wong Pui Man Vasconcelos. E depois há a família, absolutamente impenetrável que funciona quase como uma seita. São unidos, vivem perto uns dos outros, juntam-se ao jantar e não sei bem como, são quase todos ricos. Mesmo os que ganham vencimentos de operários ou outras actividades normalmente mal remuneradas. Ah sim, nunca se chega a perceber muito bem se gostam ou não de nós.

Há quem defenda que as relações inter-culturais são as mais difíceis, que acabam sempre mal, e inevitavelmente os mal-entendidos e os choques de culturas vão-se sucedendo. Mas perdoem-me a filosofia de taberna, qualquer relação é difícil, é só preciso saber temperá-la.

8 comentários:

  1. Caro Leocardo,

    Grande retrato no postal!

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  2. As relações inter-étnicas, ou inter-culturais, enriquecem o desenvolvimento pessoal, intelectual e cultural de cada uma das partes.
    Relativamente ao choque cultural, é apenas uma questão de compreendermos o próximo - a pessoa amada, neste caso - e posteriormente adaptarmo-nos a tal. Porém, como é óbvio, isso depende igualmente da mentalidade das pessoas em geral.

    Ah!... e os cruzamentos inter-raciais ou a "mestiçagem" vem, pelo menos com maior intensidade, da época dos Descobrimentos.

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  3. muito interessante... parabéns...

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  4. Bestial e no ponto.

    O melhor post até hoje. Coragem e obrigado pela qualidade dos textos que escreve.

    Cumprimentos

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  5. Bem o percebo, amigo Leocardo. Excelente Post!!!

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  6. «Audazes», não «audases».

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  7. Bem, tantos elogios. Obrigado a todos e ao corrector residente por continuar a manter a ortografia elevada.

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