sábado, 29 de março de 2008

Libertem a internet que há em nós


A deputada Ieong Weng Ian, vice-presidente da Associação das Senhoras Democráticas e deputada à AL, pretende que o Governo emane legislação que regule os conteúdos de certos sites na internet. Na causa da preocupação estão os recentes casos das fotografias dos artistas de Hong Kong e dos registos em vídeo da violência em algumas escolas de Macau. A preocupação parece ser o carácter obsceno e imitativo dos comportamentos observados nestes casos. O melhor será portanto proibir, varrendo o problema para debaixo do tapete.

O conteúdo de certos materiais que circulam na internet é agora mais que nunca uma preocupação de pais, professores, encarregados de educação, padres, freiras, gente de bem, e por aí fora. Certo? Errado. Agora sim, que a internet está praticamente ao acesso de toda a gente. Ninguém se preocupava há 10 anos ou mais quando era impensável que os jovens – na altura criancinhas – se tornassem mais inteligentes que os adultos e se tornassem nas “feras” das novas tecnologias, assim ultrapassando-nos, limitados que estamos devido a décadas de estupifidicação causados pela televisão.

Os jovens são muito mais espertos hoje em dia. Podem não ter cultura geral, podem falar por monossílabos, começam a dizer asneiras cada vez mais cedo e não medem as consequências dos seus actos (também fomos assim nesse departamento), mas pelo menos não conhecem mais nada sem ser a internet, o YouTube, o Hi5, e mesmo quando precisam de saber qualquer coisa vão à Wikipedia. Não precisam de ler um jornal, ir a uma biblioteca ou sequer levantar o rabo de uma cadeira para atender o telefone: existem os telemóveis. Duh!

E nem vale o argumento de que “pavimentámos” esta auto-estrada da informação para eles, e de que se tornararam acomodados e preguiçosos. Não cola. Isto desde o tempo em que King C. Gillette terá dito ao seu neto enquanto este se barbeava: “se não fosse por mim tinhas a cara cheia de sangue!” ou “ se não fosse eu tinhas uma barba até ao chão”. E os nossos pais ainda nos diziam o mesmo, afinal fizeram tudo por nós: o Maio de 68, o 25 de Abril...nós somos uns preguiçosos “que não dão valor à liberdade”. Diziam-nos que “só sabiamos fumar”, enquanto eles faziam jogging, e que a nossa música era “barulho”, enquanto eles ouviam Bossanova, Herb Alpert e Carlos Puebla. Os que sabiam inglês ouviam os Beatles.

Mesmo o que está in hoje não era o que estava in há vinte ou há trinta anos. A geração antes da minha teve o disco, o punk e o new wave, eu tive o italo-disco, o goth, o heavy metal e o grunge, os miúdos agora têm o house, o trance e sei lá mais o quê. E até parece que foi ontem quando achávamos “bué da fixe” (expressão que foi cool durante uns dez minutos nos anos 80 e hoje alguns de nós ainda usa numa patética tentativa de estabelecer contacto com os mais jovens) escandalizar os “cotas” com as nossas roupas ou as nossas atitudes, e hoje custa estar do outro lado da barricada. Pois é.

Já algum dos leitores que tem filhos adolescentes tentou conversar com os colegas ou amigos dele ou dela? Parece que existe ali uma barreira jovem/cota praticamente impossível de ultrapassar. O que será que os gajos vêem em nós para fazer aquela cara de nojo quando lhes dizemos alguma coisa? O pai deles? O professor? O Carlos Cruz? Outro “cota” qualquer? E mesmo que venha dizer “oh oh eu mantenho um diálogo saudável com os meus filhos e os amigos dele”. Se por acaso já conseguiu conversar com os miúdos por mais de cinco minutos, parabéns. É o principal candidato ao título de “cota mais fixe do ano”.

E dos perigos nem se fala. Tudo o que é novo é perigoso. No nosso tempo eram os skates, o heavy-metal, as rádio-piratas (a mãe de um amigo meu não o deixava ouvir porque era “ilegal”), o haxixe, as boleias de estranhos. O meu tio-avô levava tareias de cinto por ir jogar futebol, nos tempos em que isso era ainda considerado um acto de rebeldia. Muito daquilo que a juventude consome hoje parece-nos estranho, não faz sentido. Marilyn Manson? Tokyo Hotel? Mikael Carreira?

Agora vir pedir que se venha legislar, vejam só o alance disto, LE-GIS-LAR sobre os conteúdos na internet é de loucos. A sra. Deputada diz que legislação deste tipo já está em vigor em “outras jurisdições”. Pois claro, de lugares como a Arábia Saudita ou Paquistão. É realmente isso que queremos para Macau? E para satisfazer a vontade de quem? Das senhoras democráticas, que com isso estão a tentar proteger os filhos dos “pobres e ignorantes”? E quem vão requisitar para censor-mor? O Ayatollah Khomeini? Torquemada?

É que legislar sobre o que se pode ver ou não na internet é abrir a porta para uma epidemia de leis malucas. E que tal proibir as provocadoras mini-saias? E que tal abater os cães que fornicam na rua? Será que não entendem que proibir não vai melhorar as pessoas? Vai simplesmente reprimi-las e fazer com que as procurem ou façam de forma ilegal e menos segura. Será possível convencer as pessoas que param para olhar um acidente de trânsito que é feio ficar à espera de ver o sangue, ossos partidos e tripas de fora dos pobres acidentados?

O que os jovens vêem e fazem pode não estar ao alcance da nossa percepção, mas não é nada de outro mundo (a não ser que o seu filho esteja numa de necrofilia ou canibalismo, mas isso são contas de outro rosário), e cabe aos pais e aos encarregados de educação saber o que os nossos filhos menores estão a ver. E que tal tentar conversar com eles de vez em quando em vez de criar leis para ter as autoridades a fazer todo o trabalho que devia ser feito por nós?

E reparem que digo “filhos menores”, pois a partir dos 18 anos são maiores e responsáveis pelos seus actos, assim como sou eu e a esmagadora maioria dos prezados leitores. A última coisa que queremos é que venha alguém proibir-nos de assistir à mais vil pornografia ou adquirir os últimos instrumentos da imensa parafernália do sexo sado-masoquista ou qualquer outro direito que nos é inerente por sermos maiores e vacinados. E que tal proibir a venda de preservativos? Afinal quem os compra “vai cometer indecências”.

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