domingo, 3 de fevereiro de 2008

De pequenino se torce o destino


Depois de um fim de semana passado praticamente entre os lençois (maldita gripe), eis que saí ao fim desta tarde para comprar umas simples mercearias. De regresso a casa, confronto-me com um imagem tão atroz como desagradável. Dois jovens, um do sexo masculino e outro do sexo feminino, com não mais de 15 anos de idade, rebolavam rindo no chão da rua. A menina ainda tinha a cabeça encostada a um motociclo, enquanto o rapaz jazia verticalmente. Qualquer cego percebia que ali tinha havido consumo de estupefacientes. Isto em plena luz do dia. Parei por breves segundos para contemplar a cena com um ar de reprovação. Que mais podia fazer?

Agora que foi reduzida a idade da imputabilidade criminal para 14 anos, ficamos todos mais descansados. Será? Depois de uma "alargada consulta pública" chegou-se à conclusão de que "a maioria da população" concorda com a redução da idade da responsabilização criminal de 16 para 14 anos. É claro que estas pessoas terão as suas razões, e tendo em conta que a maioria dos inquiridos seriam adultos, muitos não se compadecem com a criminalidade juvenil. Isto é, até o infortúnio lhes bater também à porta. Já dizem os nossos irmãos brasileiros, e com muita razão, que "pimenta nos olhos dos outros é refresco". Qual o pai ou a mãe que não sente ao ter um filho encarcerado em tenra idade, excluído da sociedade mesmo antes de perceber do que a "sociedade" se trata?

A criminalidade juvenil é um problema, como se sabe, relacionado com o submundo em Macau, com as tríades, com as associações secretas. Jovens alienados juntam-se a grupos de malfeitores deslumbrados por promessas de dinheiro, glória, e, enfim, convencidos de que têm muito pouco por onde escolher. A redução da idade da imputabilidade para 14 anos será aplicada apenas para "crimes mais graves". O que se entende por "crime grave"? O tráfico de droga, por exemplo, deverá incluir-se nesse grupo. É sabido que cada vez mais menores atravessam sozinhos a fronteira das Portas do Cerco, e muitos servem de "correio de droga" para traficantes, que os usam como mão de obra barata.

Dizia-me um amigo meu advogado, habituado a visitar o estabelecimento prisional de Macau, em Coloane, que as "primeiras visitas" a um jovem detido eram comparáveis a um funeral: iam os pais, os irmãos, a namorada, todos. Choravam, carpiam a dor, davam toda a atenção ao pobre infeliz. Nas visitas seguintes ia apenas um dos pais, quando ia. A interpretação deste fenómeno pode ser variada, passa pela falta de disponibilidade, pela distância, pelo "fong-soi", etc. A realidade é dura quando um jovem acaba de cumprir um pequena pena no EPM. A reeintegração torna-se mais complicada, e pouco lhe resta senão passar à marginalidade. Os mais "vivos" e com melhores conhecimentos ainda se conseguem re-adaptar, mas ao grosso dos ex-presidiários esperam tempos difíceis.

Mas o que falhou para que se considere atirar com um jovem de 14 anos para a prisão? Será apenas uma "saída fácil" para as autoridades? Será mais fácil optar por punir do que por prevenir? Afinal todos sabemos exactamente os locais onde os jovens são aliciados a entrar no mundo do crime. São alguns clubes nocturnos, casas de jogos electrónicos, bairros pobres. E o que aconteceu à tal ideia de proibir os jovens a permanecer na rua até à meia-noite? Se calhar não era assim tão má opção. Querem apanhar ladrões? Resolver o crescente problema da criminalidade? Sabem onde podem encontrá-los. Será só "nhufa"?

Quando Edmund Ho disse na apresentação das LAG que a criminalidade juvenil se deve a um conjunto de circunstâncias diversas que passam pelo trabalho dos pais, do facto da "mulher trabalhar hoje em dia" e outros, estaria provavelmente a generalizar. Muitos destes casos se deve sobretudo ao profundo marasmo em que o território se encontra em termos culturais e recreativos. Os jovens não têm cultura geral, são facilmente iludidos pela cultura do dinheiro e do estatuto, e bebem sobretudo das influências do território vizinho da RAEHK, que diga-se de passagem, não tem muito mais para oferecer.

Uma dos mais ridículas acepções que as cabecinhas pensadoras imaginaram foi a patética dialéctica "droga-desporto". Tem-se visto em muitos media publicidade do tipo "não consumas drogas, faz desporto", como se um jovem que, por acaso não goste de praticar desporto (sim, e nem todos os jovens estão dispostos a que os pais vivam as suas vidas através deles, e da competição desportiva), estará irremediavelmente atirado para o submundo da droga. Mas já se sabe como estamos tão bem servidos de publicitários por estas bandas...

Publicada em Leocardo em 18/11/2007

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