segunda-feira, 14 de janeiro de 2008
Diário de um cabotino
Ainda estou perplexo. Ainda não consigo acreditar. O artigo que Miguel Sousa Tavares (MST) assina na edição electrónica do Expresso de hoje chega a roçar o surrealismo. Depois de ler e reler só posso concluír que MST escreveu o seu "Diário de um clandestino" durante uma ressaca de dez minutos enquanto se sentava num restaurante, ou jardim público, ou recinto desportivo (enquanto assistia à vitória do seu FêCêPê sobre o Braga?) ou qualquer outro sítio onde é proibido fumar desde o passado dia 1.
E até não começa mal; no primeiro parágrafo deambula sobre o sistema nacional de saúde, ou de como se fecham os tais SAT tão necessários a tantas populações, dos 'bufos', dos hipócritas e tudo mais. Ora até aí muito bem, mas este argumento esgota-se aqui. Agora há uma lei que é em tudo semelhante às do resto da U.E. ou da maioria dos países civilizados, e só me dá pena ver tanta gente a estrebuchar, a bater o pé, a ser levado a cumpri-la como crianças são levadas ao dentista. E ver o Miguel, qual capitão da areia versão Gaia, a liderá-las.
Atentem a este parágrafo: "Segunda-feira, 7 de Janeiro - A esplanada do café do bairro está cheia de gente, velhos incluídos, que tomam o pequeno-almoço e o café da manhã ao frio. É sabido que os velhos têm mais frio e vivem mais tempo pelos cafés. Agora, resta-lhes as esplanadas ou a rua." Este é um cenário digno do Holodomor ucraniano. Os pobres velhos fumadores - os que lá conseguiram chegar, portanto - são relegados para as esplanadas, para a rua e para o frio, quando antes transmitiam os seus ensinamentos e enfizemas a gerações mais novas. Agora desculpem mas tenho que parar. Para chorar um bocadinho. Pronto, já está.
De seguida, MST prevê uma espécie de Revolução Cultural (sim, essa) em Portugal: "(...)um grupo de escolas resolveu ministrar compulsivamente um curso aos seus alunos para que eles convençam os pais a não fumar em casa. O objectivo final do curso é que os alunos sejam capazes de trazer, devidamente assinado pelos pais, um 'certificado' fornecido pelas escolas, onde eles se comprometem solenemente a não fumar em suas casas. Leiam bem: as escolas ensinam os filhos a darem ordens aos pais em casa. Para já, é a de não fumar. Que outras se seguirão?" Que outras, deveras. Já estou a ver os pais que se recusem a deixar de fumar ou assinar o que quer que seja prostrados, de joelhos, com orelhas de burro e obrigados a segurar cartazes com dizeres insultuosos.
E vai por aí fora. Chora, bate com o pé, fala dos casinos e da excepção (como se os casinos fossem frequentados por crianças e outros cidadãos mais expostos aos malefícios do fumo, enfim...), da economia, do novo aeroporto...alguém dê já um cigarro ao gajo senão ele mata-se. Já agora gostei, também a respeito deste tema, do outro diário, este o Caderno Diário, de Pedro Correia na edição de hoje do "Hoje Macau" (edição electrónica não disponível). Recomendo.
O MST fica completamente parvo quando o assunto é a proibição do tabaco em lugares públicos. Ele e outros, que acham normal os não fumadores terem que levar com os malefícios dos vícios alheios, sob pena de não poderem frequentar os tais sítios que agora refere: cafés, restaurantes e outros. Esquece-se MST que um não fumador não prejudica ninguém por não estar a fumar (excepto os fabricantes e vendedores de tabaco, claro), enquanto que o contrário já não é verdade. O fumador pode ir em paz ao café, ao restaurante, à discoteca, e vir à rua fumar ou, ainda melhor, não fumar durante esses momentos (sempre tem o resto do dia para o fazer). O não fumador, pelo contrário, não tem opção se for permitido o tabaco nesses locais: para lá entrar, terá mesmo que se sujeitar ao fumo alheio.
ResponderEliminarJá agora, e os empregados desses estabelecimentos? Acaso os fumadores inveterados se preocupam com eles, que passam horas e horas por dia num ambiente pestilento só para poderem ganhar o seu salário?
Nem mais! E no vinho, a verdade ;)
ResponderEliminarCaro in vino veritas, aprecia-se o tom afectado, mas não posso concordar (pelo menos, na totalidade)!
ResponderEliminarPouco me diz o artigo de MST (que, de resto, é exagerado em tudo o que escreve), o que quero deixar claro é que a lei que proíbe o fumo em locais públicos é absolutamente persecutória.
Muitos exemplos se poderiam dar a este propósito. No entanto, o que é relevante é que o tabaco não é uma substância ilícita, logo, um fumador não pode ser perseguido, nem sequer um estabelecimento comercial poderá ser alvo de imposições deste género!
Correcto, seria permitir aos estabelecimentos a liberdade de proibir (ou não) o tabaco! Assim, estando os estabelecimentos devidamente identificados, só lá vai quem quer...
Ademais, caro leocardo, o conceito de civilizado é profundamente subjectivo. Tal como a liberdade parece hoje em dia ganhar contornos de relatividade...
O que os outros países decidem, só a eles diz respeito. A ideia de que tudo o que vem de fora é bom, já há muito deveria estar erradicada do nosso, por vezes, subserviente fado lusitano.
Abraço!
Tomara tu teres um terço da graça e do espírito deste escritor, Cardoso!
ResponderEliminarCaro vici, respeito a diferença de opiniões, claro, mas nem sempre é boa solução deixar as pessoas escolhem tudo o que querem. Numa sociedade com milhares e milhões de pessoas, há que criar regras para que a comunidade possa viver com alguma harmonia. Caso contrário, os interesses mais egoístas ou menos saudáveis de alguns acabam por se impor aos outros, com o beneplácito dos negociantes, que querem é fazer dinheiro.
ResponderEliminar«Escolherem», não «escolhem», quis dizer.
ResponderEliminarCaro in vino veritas,
ResponderEliminarClaro que sim, há que criar regras. Eu nunca disse o contrário! É preciso é que as regras sejam devidamente contextualizadas, razoáveis, exequíveis e que não sejam resultado de caprichos populistas e de moralismos de circunstância.
Abraço!
Eheh...Cardoso
ResponderEliminarCardoso, andas muito calminho ultimamente,Ou preferes Zé?
ResponderEliminarCaro vici,
ResponderEliminarNão considero esta legislação anti-tabaco «resultado de caprichos populistas e de moralismos de circunstância», nem pouco mais ou menos. Independentemente de as opções concretas do legislador poderem ser aperfeiçoadas, julgo que há muito se impunham estas orientações. Como pode alguém considerar razoável que centenas de pessoas estejam apertadas a dançar numa discoteca completamente cheia de fumo? Ou que estejam a comer num restaurante lotado e igualmente cheio de fumo? É claro que, se os comerciantes puderem escolher livremente se se pode fumar no seu estabelecimento em quaisquer circunstâncias, vão escolher sempre permiti-lo, para não verem reduzida a sua clientela potencial (até porque os não fumadores já estavam, infelizmente, habituados a terem que se sujeitar ao fumo para irem a esses lugares; enquanto que os fumadores terão sempre muito mais dificuldade em abdicar do seu vício para lá irem).
PS: quem é esse Cardoso? Não estão a pensar em mim, pois não? Se estão, é melhor não culparem o rapaz pelos meus textos...
O tal Cardoso (aparentemente Zé Cardoso) sou eu. Não sabia?
ResponderEliminarNão fazia a mínima ideia. Não me preocupo com essas coisas, apenas com o debate construtivo de ideias, que é coisa que escasseia nesta terra onde só as pataquinhas parecem contar.
ResponderEliminarO cardoso está nervoso!
ResponderEliminarNão tarda volta à censura.