Esta é estátua dedicada ao Padre António Vieira, inaugurada em Junho último no Largo da Trindade, em Lisboa, e que está a causar uma celeuma a todos os títulos desnecessária, e triste. Acontece que ontem, feriado do 5 de Outubro, o SOS Racismo, encabeçado por Mamadou Ba, resolveu organizar uma manifestação contra a estátua, com o pretexto de que o Pe. António Vieira era um "esclavagista", e um "racista". Antes de mais nada, vamos discorrer sobre esta alegação, que não sendo inteiramente falsa, é no mínimo um anacronismo. Em primeiro lugar o padre António Vieira, um dos maiores vultos das letras em português, era um homem inteligente, pio e bom, foi contra a escravização dos indígenas brasileiros, contra a perseguição dos judeus, MAS era a favor da escravatura dos negros no Brasil, tendo sido inclusivamente a favor da repressão do Quilombo dos Palmares, uma comunidade de escravos negros feitos livres na colónia portuguesa. Contudo...
...a escravatura negra era a posição da Igreja Católica na altura - e convém relembrar que estávamos em pleno século XVII, e o Pe. António Vieira manteve-se fiel a essa posição, que tem um fundamento bíblico criacionista, nomeadamente no livro do Génesis. Tudo tem a ver com uma fábula que dá conta da "traição" de Cam (ou "Cham", ou "Cão"), o filho mais novo de Noé, logo após o Dilúvio, conforme consta no primeiro livro do Antigo Testamento, dos versículos 9:20 e 9:27:
Isto em termos leigos, é mais ou menos assim: depois do Dilúvio, Noé plantou uma vinha, bebeu do seu fruto, e ficou embriagado, adormeceu, e deixou as suas "vergonhas" expostas. Cam, seu filho, em vez de salvaguardar o pudor de seu pai, chamou os irmãos e escarneceu dele. Posto isto, Noé lançou uma maldição sobre Cam e sobre Canaã, filho deste. Canaã é, segundo a Bíblia, o "pai" das pessoas de pele escura, e assim sendo, "seja-lhe Canaã (e seus descendentes) como servo".
Isto é grave, é sério, é pesado, mas tem que ser contextualizado à época, e falamos aqui do século XVII, quando a Igreja Católica era (ainda mais) conservadora. O sr. Mamadou Ba, que suponho ser uma pessoa inteligente, devia ter estes aspectos em conta. A estátua do Largo da Trindade celebra o lado humanista e o génio literário do Pe. António Vieira, e não a sua faceta de esclavagista e apoiante do cativeiro dos negros, que considerava ser para eles "uma benção de Deus". O problema - e aqui deve ter existido alguma fuga de informação - foi que a suposta manifestação foi impedida por elementos da extrema-direita, vulgo "skinheads", ou "neo-nazis":
Estes são elementos do Escudo Identitário, um grupo mais ou menos recente com ligações ao PNR, e que se aproveitou do protesto do SOS Racismo para aparecer (têm apenas cerca de 400 seguidores no Facebook), e com isso ganhar pontos, além de visibilidade. Confrontado com a situação, eis o comentário de Mamadou Ba nas redes sociais:
Não, meu caro, a estátua não é uma "inaceitável provocação", mas serviu de pretexto para que a extrema-direita aparecesse. Se a ideia era demonstrar que existe uma "insurgência" de grupos xenófobos e racistas, parabéns, conseguiu isso. O problema é que as opiniões quanto a esta iniciativa dividem-se, e com o fiel da balança a pender para a reprovação. Recomendava-lhe que fosse menos impulsivo, e que estudasse um pouco mais de História. Sim, a escravatura foi um episódio lamentável, mas convém olhar para a frente, e investir as suas energias nas causas certas. E creio que aí concordará comigo quando digo que ainda há muito por fazer no que toca às consciências. Mas o Pe. António Vieira? Por favor, não vá por aí.
Meu caro,Gomes, permita-me a liberdade de trazer à colação o facto de que a escravatura foi muito anterior ao tráfico negreiro. A título de exemplo: os Hebreus também foram escravos no Egipto, entretanto não são da pele negra. Entre brancos havia escravatura,bem como ela existia entre negros. Tais brancos e negros foram tambem descendentes do Cam? Isso quebrará dizer que brancos e negros, senhores dos escrevos, serão decadentes de outros tantos filhos do Noé?
ResponderEliminarEste argumento bíblico invocado para justificar a escravização do negro era mero pretexto para justificar o injusticavel, pois da Biblia não resulta evidente, quer da letra quer do Espírito do versículo 15 do capítulo 9 do livro de Génese, que o Canaam tenha sido pai das pessoas da pele negra. O que diz o versículo acima citado é: Canaam gerou Sidon, seu primogênito, e Heith, e o Jebuseu, o amorreu, o girgaseu, e o choveu, o arqueu, o sineu, e o arvadeu, O zamareu e o amarei e depois espalharam as famílias dos cananeus, fim da citação. Nada diz que os descendentes do Cam fossem negros ou indivíduos da raça negra.
Trata-se de um dos vários pecados cometidos pela igreja Católica que, ao dividir o mu do em dois hemisfério (ocidental e oriental), deu a Portugal e a Espanha O sagrado direito de possuir as terras, como se fossem coisa de ninguém, situadas no hemisfério de influência de cada um dos agraciados segundo a divisão feita na altura.
Porquê Portugal e a Espanha? É obvio: por serem países católicos.
Tenho uma leitura interpretativa semelhante ao leitor anterior.
ResponderEliminarSem querer (de forma alguma) minimizar o papel dos Portugueses no tráfico negreiro designado como "Rota da TransAtlantica", relembro o seguinte:
Desde sempre os povos se guerrearam entre eles.
Quem perdia ficava "Cativo" do vencedor.
Isto é válido para os brancos, para os orientais, para os povos do médio oriente, para os Amerindios,etc
portanto não será de estranhar que o pretos também fizessem o mesmo.
o que eu estranho é uma tendência recente que MENTE por omissão,
conta uma parte da história omitindo tudo o resto, como foi o caso do PAV.
Disseram uma coisa (verdadeira), e omitiram tudo o resto que também faz parte da verdade, como os outros factos que o Leocardo referiu
Voltando à Escravatura, convém lembrar que Escravo NÃO QUER dizer Preto, mas sim Branco, loiro e de olhos azuis, porque a palavra deriva de Eslavo que são povos oriundos do Norte da Europa e que têm estas características físicas.
À época mulheres brancas, loiras e de olhos azuis, eram vendidas com um enorme sucesso, como escravas sexuais nos mercados muçulmanos do Norte de África.
Também é necessário recordar, que desde o sec VII até ao sec XIX quem caçava os Pretos, para vender a quem aparecia, eram os próprios Pretos, facto que NUNCA vejo ser referido.
Grosso modo, o comercio da rota do Atlântico nasce no final do sex XV, mas já existia antes (e continuou a existir em paralelo com este), pela chamada Rota Sub Saariana, que coincide com a expansão do Islão pelo Norte de África.
os pretos caçavam pretos e vendiam aos muçulmanos, através da tal rota subsariana. A questão da castração não se enquadra neste post
Talvez mais difícil de admitir politicamente falando, seja sobre os LUCROS do comercio negreiro, onde todos os envolvidos ganharam, desde o preto caçador até ao fazendeiro branco, mas "quem ganhou dinheiro a sério com o trafico negreiro", (segundo um artigo que li aqui há uns anos no Der Spiegel), foram os proprietários dos barcos, que na altura eram os Judeus
Concluindo, reduzir a "escravatura" à rota negreira do Atlântico é mentir por omissão.
culpar apenas os brancos, também é mentir por omissão
Deixo-vos uma autoridade mundial sobre a escravatura, que por felicidade nossa, é um falante de língua Portuguesa, o eng Daniel Nunes
https://www.youtube.com/watch?v=kZieY7BN7D0
para descontrair e REFORÇAR o texto do Leocardo, partilho a visão do RAP com o humor que lhe é caracteristico
https://www.youtube.com/watch?v=qY_oqaNe6dY
Carissimo, só vim comentar para dizer que o Escudo Identitario não tem qualquer relação com o PNR. Se quiser mais informações é só contactar directamente a pagina de facebook do EI. Obrigado e boa noite.
ResponderEliminarUm grupo com ligações ao PNR? Lolol onde foram buscar isso? Decidiram escrever só porque sim?
ResponderEliminarAnónimo das 18:27: já esclareci esse assunto com o Escudo Identitário. Tinha fortes razões que me levavam a crer que existiam ligações com o PNR. Cumprimentos.
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