sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Quem somos, realmente? Parte IX: racismo


O racismo é uma coisa horrível. Que horror, o racismo. Que malvado, o racista. Que feio. Ser racista é pior que tirar burriés do nariz com o dedo e depois metê-los na boca. Ser incontinente é aceitável, desde que não se seja racista. Mas o que é afinal o racismo? Diferenciar alguém com base na cor e raça? Então somos todos racistas. Nascemos todos com o “software” do racismo incorporado, e é logo na infância ou na juventude que o instalamos. Ser diferente é ser racista, e ao mesmo tempo é ser vítima do racismo dos outros. Mas esperem lá, “vítima”? O racismo mata? É alguma doença incurável? Ser vítima de racismo é o mesmo que ser vítima de cancro? Claro que não, o racismo não fura a tripa. Algumas interpretações daquilo que é ”racismo” pecam por ser demasiado generalistas. Pecam não, metem nojo. Generalistas? Queria dizer antes “parvas”.

Vou usar como exemplo...eu próprio. Sendo o único branco, caucasiano, ocidental, chamem-lhe o que quiserem, no meu local de trabalho, tenho um lugar de destaque. Tudo o que faço ou digo é observado com a mesma atenção que o Dr. Livingstone dava aos hotentotes. É como se eu brilhasse no escuro. No início isto era incomodativo, mas ao fim de algum tempo habituei-me e usei esse facto a meu favor. Por vezes é-me permitida alguma excentricidade ou um comportamento mais irregular porque “sou diferente”, e por isso tenho um desconto. A culpa não é minha; é o nariz comprido, os olhos redondos e os braços peludos que me levam a ser um “bárbaro”. Pouco me importa que me chamem “kwai-lou”, ou “ngao” (vaca), como sou conhecido lá no serviço. O mais importante é que na hora de usufruír dos benefícios me dêm o mesmo tratamento, assim como não me considero especial quando se trata de cumprir com as minhas obrigações.

E no fundo o racismo é isto mesmo: discriminação com base na raça com dolo. É muito importante este aspecto, o dolo. Diferenciar alguém por ser preto ou branco não é a mesma coisa que lhe limitar o acesso aos mesmos direitos que toda a gente. A própria definição de “branco” e de “preto” dá pano para mangas. Os pretos não gostam de ser chamados de pretos, nem de coisa nenhuma que faça referência ao carácter que os distingue dos brancos a olho nu: a cor da pele. A designação “negros” é igualmente ofensiva, “pessoa de cor” não faz sentido, pois tanto o preto e o branco são a ausência da cor. Por muitos “brainstormings” que se façam para atinar com o politicamente correcto, nada parece surtir resultado. Chamar os pretos de “africanos” é impreciso, se ele for natural da Jamaica, de Cuba ou de Almada. Os americanos cunharam a palavra “afro-americano”, mas os europeus nunca os imitaram com um “afro-europeu”, que parece ridículo. Curiosamente incomoda muito mais um preto ser chamado de preto do que a um branco ser chamado de branco. Mas esperem lá, quem escreveu as regras? Um preto não é preto, é castanho, e um branco também não é completamento branco da cor do leite. Olhando para mim, que sou branco, reparo que a minha tonalidade é rosácea, como a de um leitão. E que tal em vez de brancos e pretos nos chamassemos de “rosinhas” e “chocolates”? Fica pretos e brancos que toda a gente percebe, e deixem-se de merdas, pá!

O racismo existe, claro, mas deve-se mais à ignorância do que propriamente à maldade. Um branco que tenha crescido num ambiente rodeado de outros brancos, e que as poucas referências que lhe foram dadas quanto a outras raças sejam ambíguas, reage com receio à presença de um preto, mas simplesmente porque não o consegue identificar. E esta é a primeira diferenciação que fazemos, e logo na infância. Uma criança branca de três anos reconhece outra da mesma idade, mas de pele escura. Não significa que lhe vá colocar umas correntes ao pescoço ou lhe dê uma banana, mas simplesmente porque o seu sentido da visão diferencia o tom da pele. Dizer que brancos, pretos ou asiáticos “são todos iguais”, ou recorrer a paneleirices do tipo “todos têm sangue vermelho” é escusado. Somos diferentes, temos consciência disso, e é no trato que damos uns aos outros que se identifica ou não a presença do racismo.

Por isso mesmo o racismo serve tantas vezes como arma de arremesso. Imaginemos uma entrevista de emprego destinada a escolher 10 candidatos de entre 30, e desses apenas um é preto, sendo os restantes 29 brancos. Caso o preto não seja escolhido, pode recorrer à “matreirice” do racismo e dizer que não foi selecionado por causa da sua cor. Por outro lado a entidade empregadora pode acautelar esse problema e escolhê-lo, para evitar acusações de racismo, mesmo que esse candidato não esteja entre os dez mais qualificados para o cargo. Este é um exemplo do efeito pernicioso que o racismo tem na sociedade, e em particular no mercado de trabalho. Caso existissem quinze candidatos de cada cor, e os dez escolhidos fossem todos brancos, isso sim, poderia existir motivos para que se levantassem suspeitas. À boleia destas cautelas, existem minorias que se encostam à subsídio-dependência e alegam discriminação se lhes deixam o mandar um cheque sem fazer a ponta de um corno. Claro que me refiro ao exemplo dos ciganos em Portugal, e penso que muitos concordarão comigo.

O racismo é por vezes usado em legítima defesa por outros racistas, ou por gentinha demasiado zelosa que aprendeu que o racismo “é uma coisa muito feia”, e que ser chamado de racista é pior do ter a sexualidade ou a honra da mãe questionadas. Imaginem esta situação. Um indivíduo branco dirige-se a uma repartição é atendido por um preto. Combinam um reencontro, mas o cliente fica sem o nome do funcionário que o atendeu. Quando lá regressa, é atendido por um branco, e nota que só se encontram brancos no atendimento nesse dia. Aí pede para falar “com o...com o...porra, não me lembro do nome”. O outro funcionário pergunta-lhe “Com quem deseja falar, exactamente?”. “Com aquele senhor, aquele rapaz, assim...”, enquanto começa a fazer gestos de caracol com o dedo junto aos cabelos. Aí o funcionário levanta as antenas do racismo, e insiste “O que quer dizer, exactamente?”. E aí o cliente atira “aquele preto...” e zás!, soam as sirenes do preconceito, o outro aponta-lhe com o dedo e grita “racista!”, e chama-se o SOS Racismo para tomar conta da ocorrência. Se em vez de “o preto” fosse “o careca”, o tipo respondia com a maior calma do mundo: “Ah o Teixeira? Só um minuto”.

São os maiores racistas que vêem racismo em toda a parte. Os ingleses e os americanos, por exemplo, dois dos povos mais racistas à face da Terra, têm uma espécie de código ou manual que especifica que palavras, frases, atitudes ou intenções são racistas. Nós portugueses, apesar de um certo paternalismo com que tratamos os naturais das nossas ex-colónias, até somos bastante tolerantes, com uma saudável folga que nos permite não ligar muito a essas parvoíces e paranóias relacionadas com o racismo. Num cruzamento onde temos prioridade passa outro carro a toda a velocidade, e apanhamos um cagaço do caraças. Se ao volante for um preto, é possível que exclamemos “ai o cabrão do preto..”. Se for um branco, pode sair “olhá lá ó filho da p,,,” ou então “és cego, ó p*n*l**r* do c..?”. E agora, o que é pior?

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