segunda-feira, 28 de outubro de 2013
Quem somos, realmente? Parte III: quanto mais me bates...
Os casos de violência doméstica e outros abusos da parte de um dos cônjuges são o lado negro de uma relação. Tratando-se do uso da força, normalmente a vítima é a mulher, e os casos são frequentes, infelizmente. Há cada vez menos mulheres que se sujeitam às agressões do marido ou do companheiro, mas os casos são ainda em número suficiente para compôr as estatísticas e dar emprego a assistentes sociais e afins. As mulheres que se submetem à brutalidade do parceiro envergonham as feministas, que as encorajam a sair daquela situação: “deixa-o, já viste em que estado tens essa boca, toda rebentada”. A vítima, resignada, responde “ele é assim mas gosta de mim”, uma mentira em que acredita ao ponto de achar estranho se fica muitos dias sem levar um tabefe: “Há quanto tempo não me bates, ah? Andas a bater noutra, é?”.
Naqueles desaguisados domésticos onde voam pratos, cadeiras e vasos, choram as crianças e ladra o cão, há sempre um vizinho que chama a polícia. Chegados ao local da rixa, paira subitamente o silêncio, a mulher abre a porta devagarinho, baixando a cabeça para não revelar a cara amassada, e murmura entre dentes partidos “não se passa nada, senhor guarda...foi um mal-entendido”. Se depois de mais um enxerto de porrada a pobre mulher foge para casa dos pais, volta um pouco mais tarde acompanhada destes, e o sogro do agressor, se ainda gozar de saúde, pede-lhe satisfações: “o que fizeste à minha filha, seu cabrão?”. De repente a esposa solta-se dos braços da mãe, que a amparava enquanto chorava, e berra “Não paizinho! Pára paizinho! Eu amo-o!”. Alguém explica o sentido desta tragicomédia?
No extremo, a coisa acaba em tragédia. São muitas as histórias de faca e alguidar envolvendo casais desavindos. Na maior parte dos casos onde se dá uma fatalidade, as mulheres são mais uma vez as vítimas. O marmanjo "passa-se" de vez, dá-lhe um tiro, enfia-lhe a moleira num dos cantos da bancada da cozinha, aperta-lhe o pescoço e continua a apertar, mesmo depois da pobre vítima ter passado há muito pelos estágios de vermelho, roxo, azul e o cinzento final. Quando as mulheres perdem as estribeiras e resolvem cobrar os anos de abuso a que foram sujeitas, usam uma faca, envenenam o tirano, trocam-lhe os remédios ou cancelam-lhe a Sport TV no dia em que se joga o Benfica-Sporting. Quando chega a polícia na frente do séquito de vizinhos, a pobrezinha está encostada a um canto, apavorada e ofegante. As vizinhas mais velhas levam as mãos à cabeça e berram, em prantos: "Ai mulheri! Ai o que fotes fazeri. Ai mãezinha, que desgraça-tes a tuvida!". Aceita-se, e recordo que estamos a falar no extremo, e para tudo o mais há o divórcio, que a mulher reaja desta forma ao fim de anos de maus-tratos. Não digo que deva ser perdoada, mas pelo menos há uma atenuante. O que não se aceita é que corte a piroca ao marido enquanto este dorme. Senhoras, tudo bem que se sintam oprimidas, violentadas e tudo mais, mas vamos lá a fazer jogo limpo.
Muitas mulheres toleram maridos que lhes batem, insultam, desprezam e lhe são infiéis porque têm medo de ficar sozinhas e que mais ninguém as queira. Sofrem em silêncio, mantêm as aparências e são estupidamente infelizes. Quando lhe perguntam porque não se divorciam, desculpam-se com disparates como “ele não é assim tão mau”, “eu amo-o muito” ou “é um bom pai”, mentindo a si mesmas. Algumas, num acesso de pragmatismo, ainda respondem “e depois vou para onde?”. Isto até se justifica se a mulher for doméstica, pouco qualificada ou esteja debaixo da alçada dos talibã, mas acontece com muitas mulheres educadas e produtivas em países democráticos e civilizados. É uma daquelas coisas que se explica recorrendo à sabedoria popular: ”quanto mais me bates, mais gosto de ti.
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