domingo, 27 de outubro de 2013

Quem somos, realmente? Parte II: defeitos


É um privilégio podermos fazer da nossa passagem por este mundo um momento agradável. Todos merecemos viver 70 ou 80 anos durante os quais rimos, choramos, sentimos dor e prazer, excitamos o sentido do paladar com o doce e o amargo, o salgado e o picante, apreciamos a música que nos entra nos ouvidos, contemplamos as belezas que os nossos olhos permitem ver, conhecemos outros passageiros desta viagem, que por coincidência connoscos conviveram, e no fim temos a esperança de perceber qual foi o sentido de tudo isto. Lindo, lindo. Durante este breve período, é ideal estar no pleno uso das nossas faculdades; ter dois braços, duas pernas, os sentidos apurados, manter uma aparência sã, e aceite pela restante humanidade.

Há quem tenha o infortúnio de não ter uma ou muitas destas faculdades essenciais para tornar esta travessia suportável, ora porque nasceu assim, ou foi vítima do infortúnio. São os deficientes, as vítimas de doenças endémicas, os que nasceram na mais profunda das misérias, sofreram acidentes que os deixaram incapacitados, doenças congénitas ou qualquer outra mazela que não foi encomendada, e de que não tiveram a culpa. Muitos destes ainda tentam levar uma vida feliz, apesar das limitações que os impedem ser iguais a todos nós, e esses são uns bravos. Uns verdadeiros heróis. Agora para quem nasceu perfeitamente normal, tem a capacidade de corrigir qualquer defeito ou alterar um aspecto menos agradável da sua aparência, não tem desculpa. É marginalizado, enxovalhado, deixado de fora do círculo da gente bonita, e podendo mudar o que está mal, persiste em deixar tudo na mesma, e por isso tem o que merece. Nada como ilustrar com alguns exemplos:

Higiene oral – Há por aí muita gente com a boca numa lástima, vai ao dentista apenas quando sofre de dores insuportáveis, mas troca de telemóvel de seis em seis meses. Não vai ao dentista porque no lhe apetece, porque acha o tempo e o dinheiro mal empregues, ou como acontece na maior parte das vezes, tem medo. Há matulões que andam à porrada por tudo e por nada, mas mijam-se todos na cadeira do dentista. Na eventualidade de alguém se queixar do cheiro a cadáver de cão que emanam da boca, muitos justificam-se com uma doença qualquer, sendo normalmente a halitose a mais utilizada. Desculpa muito esfarrapada, pois até a halitose tem cura. É só querer.

Odores corporais – A higiene corporal, a começar pelo banho diário, é essencial para que não seja repelido pelas outras pessoas como se fosse uma doninha fedorenta. Existe uma gama de cosméticos que combatem qualquer odor desagradável, e só não usa quem quer. Se não sabem como se usam ou se estão a usá-los mal, aprendam, ou peçam a alguém que vos ensine. Mesmo assim há pessoas que teimam em deixar o refugado de cebolas ao lume debaixo dos braços e o queijo da serra dentro dos sapatos. Os que têm consciência disso não se importam, e até já estão habituados ao próprio "musk", mas ficam ofendidos se alguém se sentir incomodado. Fazem disto uma filosofia de vida: eles têm razão em cheirar mal, e o resto do mundo é que está enganado. Aqui também há quem utilize o argumento da "doença" para justificar o desleixo. A única doença que têm aqui é alergia...á água, ao sabão e ao desodorizante!

Calvície - Por vezes não se consegue evitar a queda de cabelo, que deixa muitos homens deprimidos. Paciência, acontece, e o melhor é viver com alguma dignidade. Perucas e chinós são proibitivos, e mesmo os implantes capilares são uma opção discutível. Se for calvo apenas no meio da cabeça, evite deixar crescer demasiado o cabelo dos lados, pois fica a parecer um cientista louco, ou com um nariz vermelho imita o palhaço Batatinha. E faça o que fizer, nunca, mas nunca cubra a parte calva com o resto do cabelo. Se não sabia ainda porque é que as pessoas olham para si a rua com cara de espanto, as crianças choram e os cães ladram quando o vêem, é por isso mesmo.

Vestuário - Não há justificação nenhuma para andar por aí desmazelado, desfraldado, roto e com os sapatos a abrir a boca de fome. Há roupa para todas as bolsas, e quem não pode comprar roupa de marca, existe alternativas económicas. Mas opte pela discrição, e evite as falsificações do tipo "Abibas" ou aquelas camisolas que dizem disparates como "University of Nevada Tracking Mountain Club Since 1958", ou frases em inglês sem sentido ou com erros ortográficos. Por vezes vejo por aí tipos já com uma certa idade, baixotes e com uma pança de cerveja pendurada, vestidos de fato-de-treino - um paradoxo. Existe roupa que fica bem a gente elegante, a baixos, altos, gordos ou magros. Se quiser saber qual o estilo que mais se adequa a si pode consultar um especialista, mas não é preciso ser um Louis Vuitton para saber o que fica mal.

Saúde – Muito simples: se ignora as ordens do médico, persiste em fumar, beber ou abusar das gorduras depois de lhe terem dito que a insistência nesta conduta o levará a uma morte prematura, a culpa é sua. Se pensa que os enfartes do miocárdio e os AVC só acontecem aos outros, e por isso se recusa a cumprir a medicação que lhe foi indicada, você é que sabe. Se sobreviver longos anos e com qualidade de vida, parabéns, é o Super-Homem. Se lhe der uma coisinha e for fazer de almoço aos vermes, ninguém vai ter muita pena de si.

Alcoolismo - Bebe desde que acorda até que cai para o lado? Anda sujo, mal barbeado e tresanda a um misto de urina e adega cooperativa? Vomita pelos cantos e anda a fazer figuras tristas pelas ruas? É impotente e a sua mulher deixou-o? Perdeu o emprego e os seus amigos já não o conhecem? Está no limite da cirrose? Sim, estou a ver. Voltemos à primeira pergunta: bebe desde que acorda até que cai para o lado? Sim? Então NÃO BEBA MAIS, SEU PALERMA!

Modificações - Os brincos, "piercings" e tatuagens estão na moda, mas há pessoas que abusam. Atravessam a cara e as orelhas com alfinetes de um lado ao outro, e pintam a pele da cabeça aos pés, acabando com a cara transformada num passador e o corpo parecido com um mapa-mundo - e é preciso não esquecer que a maior parte destas "mutilações" são irreversíveis. Caso se arrependa um dia, a única solução é mudar de nome: Madalena ou Madaleno, conforme o género.

Isto não são recomendações, e muito menos segredos para se viver uma vida feliz e ser uma pessoa sociável. Lembre-se sempre: se qualquer coisa está mal e apenas depende de si mudá-la, do que está à espera?

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